Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, outubro 17, 2006
Guerra suja BORIS FAUSTO
A manipulação do medo, na história do Brasil, foi sempre marca registrada da direita. Agora, curiosamente, mudou de origem
OS BOATOS sem fundamento e a exploração do medo passaram a ser a marca da campanha eleitoral do candidato-presidente e de seu partido. Em poucas palavras, entrou em cena a guerra suja.
A manipulação do medo, na história do Brasil, foi sempre marca registrada da direita. Quando Getúlio Vargas e a cúpula militar costuravam o golpe do Estado Novo, os integralistas, que então se alinhavam com o presidente, vieram em seu auxílio, fabricando um falso dossiê sobre um "Plano Cohen" -cuja denominação judaica (Cohen) não era ocasional.
Recordando, o suposto plano foi forjado em setembro de 1937 pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, lotado no estado-maior do Exército e chefe do "serviço secreto" da Ação Integralista Brasileira (AIB), versão tropical do fascismo. O "plano comunista" consistia num imaginativo desfile de horrores, prevendo como lance final a tomada do poder, após incêndios de prédios públicos, saques, depredações e violências contra as mulheres.
Imediatamente, a "descoberta" do plano foi estampada nos jornais e martelada na emissão radiofônica da imortal "Hora do Brasil". Por mais inverossímil que a história fosse -entre outras razões, porque os comunistas tinham sido duramente reprimidos após a aventura de 1935-, ela produziu os efeitos desejados ao criar um clima de medo e de excepcionalidade que contribuiu para justificar o golpe.
Saltemos no tempo. Em 1964, os articuladores do movimento militar que liqüidou o regime democrático de 1945-1964 souberam explorar habilmente a tecla do medo, aproveitando o radicalismo verbal do governo Jango e de seus aliados do "Partidão". A tal ponto que puderam evitar uma simples quartelada contando com a mobilização da classe média nas grandes cidades, angustiada pela suposta perda de suas casas -por causa da cogitada reforma urbana-, e pela ameaça maior da implantação do comunismo.
Vamos a um novo salto no tempo, felizmente em direção a uma época melhor. Isso porque, nos dois exemplos já lembrados, o medo era utilizado a serviço da implantação de ditaduras, ao passo que, nos dias que correm, falamos da condenável instrumentalização desse sentimento, mas, pelo menos, no âmbito de um regime democrático, ainda que sujeito a chuvas e trovoadas.
Nessa nova fase que o país vive desde os anos 80 do século passado, o próprio presidente Lula foi vítima de uma exploração do medo focada no que representaria sua vitória, o que facilitou seu fracasso em três tentativas de alcançar o poder. Também aqui, a fala radical de Lula e do PT contribuíram para estimular e potencializar o medo.
Agora, curiosamente, a exploração desse sentimento mudou de origem, emanando do que se convencionou chamar de "esquerda" -uma falsa esquerda, como se constata pelas práticas corruptoras que comprometem as instituições democráticas, pelas alianças espúrias, pelo estilo populista etc. De fato, o candidato-presidente e seus acólitos ministeriais e intelectuais lançaram uma ofensiva de boatos no sentido de que, se a oposição vencer, vai desmontar o Estado, privatizando tudo, vai reduzir benefícios conquistados pelos idosos, vai acabar com o Bolsa Família e atirar o país na recessão.
Essas acusações, em princípio, não deveriam sequer ser consideradas, valendo o que valeu, por exemplo, o diagnóstico de sábios petistas de que o Plano Real provocaria uma imensa recessão. Mas o fato é que elas sensibilizam alguns setores, como o funcionalismo público, e, principalmente, aterrorizam os eleitores mais carentes, que dependem de benefícios do Estado para sobreviver.
"A esperança venceu o medo" era um dos lemas que embalaram multidões festejando a posse de Lula, em janeiro de 2002. Muitos se decepcionaram, seja porque não se consumou "a ruptura do modelo" -aliás, nesse ponto, para alívio do país-, seja porque os escândalos liqüidaram os sonhos.
Cabeças rolaram porque não se ajustavam ao aparelho -que o diga a turma do PSOL-, e, outras, envolvidas nos escândalos, integrantes ou fiéis seguidores da cúpula do PT, foram decapitadas mais na aparência do que na realidade.
Diante desse quadro, seria o caso de inverter o lema e dizer que o medo venceu a esperança? Não creio. Apesar dos pesares, há setores da sociedade e das lideranças políticas que dispõem de clareza e de energia para, de uma forma ou de outra, opor-se aos desmandos da atual conjuntura que vão muito além dos lances de uma guerra suja.
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