Redução de despesas não enfraquece o Estado; pelo contrário, pode aumentar a eficácia da política pública
O DEBATE de idéias é raro no Brasil. Assim, deve-se aproveitar ao máximo a chance do segundo turno das eleições presidenciais para aprofundar a discussão sobre as propostas econômicas para o país. Mas o eleitor deveria estar atento aos truques que costumam surgir durante o jogo.
A tendência natural nesta semana seria recorrer ao último prêmio Nobel de Economia, Edmund Phelps. Apesar da relevância de sua contribuição acerca do falso conflito entre inflação e desemprego e do papel das expectativas, sua obra não está no centro do debate.
Talvez a Filosofia seja mais útil para acompanhar a discussão. Ou pelo menos para alertar para os truques mais comuns. O filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) escreveu um divertido ensaio sobre "Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão" (edição da Topbooks de 1997). Não é preciso ser especialista em Schopenhauer para saborear a descrição dos 38 estratagemas que podem ser utilizados em uma discussão para persuadir o público (independentemente, é claro, de se as idéias defendidas fazem sentido).
Não haveria espaço para ilustrar cada um dos 38 truques. Mas pelo menos três deles encontram farta ilustração no debate atual.
O primeiro deles é aquilo que Schopenhauer chamou de "ampliação indevida". Trata-se, nas palavras do autor, de "levar a afirmação do adversário para além de seus limites naturais, interpretá-la do modo mais geral possível e exagerá-la". Cria-se um argumento propositalmente distorcido. A partir daí é mais fácil destruí-lo.
A noção de que a proposta do corte de gastos levaria ao "desmonte do Estado" ilustra esse tipo de estratagema. Um programa criterioso de redução de despesas não precisa representar o enfraquecimento do Estado. Pelo contrário, ao melhorar a qualidade da despesa, pode aumentar a eficácia da política pública.
Um segundo estratagema consiste na "alternativa forçada". Se alguém propõe aumento de investimento público é porque haverá corte de gastos sociais. Embora as opções sejam sempre difíceis, tal alternativa não é necessária. Itens fundamentais podem e devem ser preservados, obrigando a uma revisão minuciosa do Orçamento. Infelizmente, a obsessão pela redução de custos, que é o dia-a-dia do setor privado, ainda não chegou ao setor público.
O resultado da gastança é trágico para o crescimento. Os gastos correntes cresceram de maneira extraordinária nos últimos anos em detrimento das despesas de investimento. Segundo dados do Tesouro Nacional, a relação entre investimento e gasto corrente passou de 3,4% em 2002 para 0,6% até agosto deste ano! Para colocar esses números em perspectiva histórica: esse percentual superava 20% no início dos anos 80.
A conseqüência é a elevação sistemática dos impostos. O governo taxa muito -e mal. A atual carga tributária, próxima de 40% do PIB (Produto Interno Bruto) está mais de dez pontos percentuais acima da tendência mundial para países com renda per capita similar à brasileira (US$ 3.460 em 2005).
Um exemplo flagrante é o do saneamento, setor sabidamente importante para a saúde pública e para o desenvolvimento. Estima-se que um terço de todos os investimentos e 7,5% da receita operacional bruta das empresas desse setor são destinados ao pagamento de impostos.
Um terceiro truque é conhecido da política brasileira. É o recurso àquilo que Schopenhauer chamou de "rótulo odioso". Conforme suas palavras, "um modo rápido de eliminar ou, ao menos tornar suspeita a afirmação do adversário, é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança".
Os problemas econômicos brasileiros estão a exigir soluções criativas fundamentadas em pesquisa empírica. Infelizmente, contudo, é comum rechaçar propostas em bases meramente ideológicas. Assim, propostas que mereceriam debate sério são rechaçadas meramente porque são "neoliberais", ou, o que dá na mesma, porque são "intervencionistas". Ninguém sabe ao certo o que é "intervencionista" ou "neoliberal", mas boas idéias são perdidas com o truque retórico.
E como esses há outros 35 estratagemas a ameaçar o conteúdo de escassas duas semanas de debate!
Entrevista:O Estado inteligente
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