Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 06, 2006

Entrevista - Geraldo Alckmin

Entrevista - Geraldo Alckmin

Leonel Rocha
Correio Braziliense
6/10/2006

Tucano diz que pretende manter Petrobras e Banco do Brasil estatais

Na busca de alianças para o segundo turno da campanha eleitoral e tentando evitar arestas ideológicas com possíveis novos aliados, o candidato da coligação PSDB-PFL à Presidência da República, Geraldo Alckmin, afirmou que, se chegar ao Palácio do Planalto, não vai privatizar nenhuma empresa estatal. Em entrevista exclusiva ao Correio, ele prometeu: “O governo privatizou o que devia ser privatizado. Não vai ter privatização”. A garantia se choca com o que defendem os tucanos e os liberais nos seus programas partidários.

Durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi adotado o Plano Nacional de Desestatização, que leiloou empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Companhia Vale do Rio Doce, e ainda é um dos pilares do modelo de Estado defendido pelos economistas tucanos para controlar os gastos públicos e melhorar a eficiência estatal.


“Não vou privatizar”

O PSDB sempre defendeu a privatização de empresas estatais como política de gestão do Estado. Se o senhor vencer as eleições, vai retomar o programa de privatizações?
Não tenho nenhuma proposta de privatização. Muito pelo contrário. Vou valorizar o Banco do Brasil, que não pode ter o seu nome envolvido em escândalos de corrupção. Valorizar a Caixa Econômica Federal, que não pode ter o seu nome envolvido em violação de sigilos, como no caso do (caseiro da mansão da “República de Ribeirão Preto”) Francenildo. E valorizar a Petrobras, que não pode estar envolvida em escândalos, como foi o caso da Gtech, e os Correios, uma instituição secular. Empresas estatais fortes serão valorizadas para servir ao Brasil. Não tem nenhuma privatização. O que pretendo é fazer parceria público–privada para poder trazer as empresas para ampliar a infra-estrutura para o Brasil crescer. Vou recuperar também a capacidade de investimento do governo federal, que no ano passado foi de 0,4% do PIB, e trazer o setor privado para complementar essa ampliação da infra-estrutura.

Mas a privatização não era uma das propostas do PSDB e do PFL para melhorar a gestão pública e resolver a questão fiscal?
O governo privatizou o que devia ser privatizado. Por exemplo, a Embraer, que tinha quatro mil empregados e hoje tem 11 mil. Privatizou indústrias como a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que dava prejuízo e hoje dá lucro e paga imposto. Privatizou aquilo que não era atividade própria do Estado, típicas da iniciativa privada. O Banco do Brasil é de interesse do Estado. Banco privado já tem muitos. O Banco do Brasil é importante, a Caixa Econômica Federal também. São instrumentos de desenvolvimento do país. A Petrobras é uma empresa estratégica para o Brasil, os Correios são um prestador de serviços importante. Nós temos uma crise anunciada na área de energia. Se o Brasil tivesse crescido, a crise já teria acontecido agora. Como não cresceu, ficou um pouco mais pra frente. Mas não tem um investimento em geração de energia. O Brasil precisa gerar quatro mil megawats de energia por ano para poder crescer. Não tem privatização. Vamos valorizar as empresas estatais e profissionalizar. Além disso, as agências reguladoras e os marcos regulatórios estão enfraquecidos, há insegurança jurídica, invasões de terras, MST (Movimento dos Sem Terra), o episódio da Bolívia e não tem investidor.

Estão previstos vários concursos públicos para o próximo ano. O senhor pretende fazer uma reforma administrativa, vai manter as contratações, já que o senhor se preocupa com o gasto público?
Vou reduzir drasticamente os cargos em comissão. Estou até preparando um trabalho sobre essa questão. Vou estimular o concurso público e as carreiras para prestigiar os servidores e os funcionários de carreira das estatais. Hoje nem mesmo em uma prefeitura pequenininha se faz esse aparelhamento do Estado porque não funciona. Não vou deixar haver esse atraso. O governo precisa ter uma equipe profissionalizada, prestigiar concurso público, valorizar as carreiras e não o aparelhamento. Administração pública é gente. Primeiro, é gente. Segundo, é gente. Terceiro, é gente. Se não tiver a pessoa certa no lugar certo, nem com dinheiro se faz. Não se faz governo com a patota, com os amigos. Governo é para servir ao povo. Para os servidores públicos, quero levar o meu compromisso com o serviço público de qualidade. E como eu vou investir pra valer em educação, saúde e segurança, isso gera muito emprego. No mundo moderno, o setor terciário da atividade econômica que é o setor de serviços, ele é o que mais emprega. Na medida em que vou recuperar a qualidade do SUS — e vou devolver o dinheiro do SUS porque perto de R$ 1,6 bilhão foi tirado — vamos gerar emprego.

Como o senhor pretende superar as primeiras dificuldades do segundo turno com essa crise no Rio de Janeiro?
Não há crise no Rio. Simplesmente, o ex-governador Garotinho e a governadora Rosinha, que apoiaram a candidata Heloísa Helena (PSol) no primeiro turno, declararam o apoio a mim agora. Não há nenhuma aliança, não há mudança. Minha candidata no Rio continua sendo a deputada Denise Frossard para o governo do Estado.

Mas a reação negativa do prefeito do Rio, Cesar Maia, e da deputada não preocupa?
Não. Imagina! Isso aí é um problema meramente local.

Como o senhor vai tratar a questão da ética, já que o presidente Lula falou, em tom de ameaça, que pretende discutir o assunto profundamente, insinuando que também houve denúncia de corrupção envolvendo o PSDB?
Acho que esse é o tema que o povo brasileiro quer discutir. O povo no Brasil não suporta mais a praga da corrupção. E, no governo Lula, ela não é pontual. Perpassou a administração, desde o mensalão, que foi a compra dos deputados, subjugou o Poder Legislativo ao Executivo numa visão autoritária, passou pelo aparelhamento da máquina pública, a petização do Estado brasileiro que levou à ineficiência e, em um segundo momento, à corrupção. Passou pelo valerioduto, pelo dólar na cueca, pela Gtech, Land Rover, pelos escândalos da Visanet, vampiros, sanguessugas. Para onde se olha se vê desvio de conduta. E finalmente, pegos com a boca na botija, com R$ 1,7 milhão pra comprar dossiê pra atacar adversários.

O senhor não teme que o debate sobre ética deixe a discussão sobre programas de governo de lado?
Não. A questão ética é central e perpassa toda a administração pública porque representa princípios e valores. Os temas não são excludentes, se completam porque um governo que não é ético não tem eficiência. Se o governante não tem preocupação com princípios e valores, é óbvio que não se preocupa com eficiência. Ela envolve a questão fiscal, que é central. Se não há princípios e valores, não tem razão para haver um esforço de natureza fiscal para melhorar a qualidade do gasto público, não tem compromisso com a agenda do crescimento. Só com o poder. Mário Covas (ex-governador paulista, já falecido, de quem Alckmim foi vice), na última viagem que fiz com ele pra inaugurar a ampliação do aeroporto de Botucatu, disse o seguinte: “Fazer obra é obrigação. Tendo dinheiro, qualquer um faz. O que uma administração precisa ter são princípios e valores que norteiam a gestão pública”. A outra questão pra mim é a qualidade dos serviços públicos. Sou filho de funcionário público. Então, valorizar o serviço público, não permitir o aparelhamento do Estado brasileiro, estimular as carreiras, formar uma burocracia estável, profissionalizada. Governo moderno e bom para o serviço público, especialmente nas três áreas: educação, saúde e segurança pública. Finalmente, estimular o crescimento econômico para o Brasil voltar a crescer, ter emprego, renda e trabalho.

Quais as reformas mais urgentes para que o País volte a crescer no ritmo que o senhor deseja?
Pretendo, em janeiro, antes da abertura do Congresso, apresentar duas reformas. A política, com fidelidade partidária e voto distrital, deixando ao Congresso a discussão sobre o voto distrital, se puro ou se misto. E a tributária. Hoje o Brasil tem um modelo tributário que leva a uma alta sonegação, empurra para a informalidade, além de ter uma carga tributária muito alta, chegando a 38% do PIB (Produto Interno Bruto). E o Lula aumentou ainda mais. Certamente, se fosse reeleito, ainda aumentaria imposto no ano que vem. Ele aumentou em 90 dias 1% do PIB em gastos. Então, é evidente que, como toda a despesa tem que ter receita, isto significa um aumento de carga tributária no ano que vem. Nós vamos fazer um esforço na questão fiscal, melhorando a qualidade dos serviços públicos, reduzir a taxa de juros, criar uma situação fiscal melhor para o Brasil crescer. Nosso objetivo é fazer um governo pautado no desenvolvimento sustentado para ter emprego e trabalho.

O governo liberou anteontem R$ 1,5 bilhão para que os ministérios invistam em obras de infra-estrutura. O senhor teme o poderio da máquina do governo na campanha?
A população teme o mau governo que abandonou a infra-estrutura do país. As estradas se deterioraram. Depois, fez um tapa buraco em ano de eleição, que acaba com a primeira chuva, com 85% dos contratos irregulares, sem licitação. Que emergência é essa? Foi quase meio bilhão de reais. É um escândalo. E ainda enfrento o uso da máquina estatal na campanha. Os ministros viraram cabos eleitorais e, os ministérios, comitês. Nós entramos na Justiça mostrando fatos concretos de abuso da máquina. A utilização da máquina pública é desavergonhada.

O que o senhor mais teme nesta fase da campanha?
Não tenho temor. Tenho confiança. Minha campanha é falar a verdade, explicitar claramente que o Brasil pode ir muito melhor, pode crescer mais, melhorar a saúde, que piorou muito. Hoje a qualidade do SUS está muito deteriorada e a população sofrendo muito. A educação não saiu do lugar. O governo levou três anos para enviar o projeto do Fundeb para o Congresso. Teve maioria para absolver os mensaleiros, mas não conseguiu aprovar o Fundeb. A segurança pública está totalmente abandonada porque os recursos foram cortados à metade. A população está cansada do discurso, dessa política atrasada, decepcionada com o (presidente) Lula e com o PT. Ninguém acredita mais nessas coisas de que o presidente não sabe de nada, que não ouviu nada, que não houve nada. Mas que presidente é esse que não sabe de nada, nem o que acontece no próprio palácio?

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