Marcus Melo, Carlos Pereira
Serão os eleitores brasileiros irracionais por terem reconduzido políticos envolvidos em corrupção? Será que são tolerantes com escândalos como mensalão, sanguessugas ou compra de dossiês? Será que o eleitorado prefere políticos do tipo que “rouba, mas faz”? Estas questões são colocadas não só em relação às eleições nos Estados, mas também à escolha do chefe do Executivo federal: será que as famílias pobres brasileiras toleram a corrupção porque recebem o Bolsa-Família?
Isso nos remete aos limites da moralidade do eleitor. De um lado, há os que enaltecem a “sabedoria” do homem do povo - esse bom selvagem cuja boa índole o impele a repelir republicanamente a corrupção. De outro, os que afirmam que a tibieza das massas se reflete na preferência mesquinha por políticos que lhes trazem benefícios individuais. Acreditamos que nenhuma dessas respostas seja a adequada.
O eleitor brasileiro mediano - mulher, de baixa renda e baixa escolaridade - é, na realidade, tão racional quanto outro de qualquer faixa de renda, escolaridade ou país. Ele prefere não-corruptos a corruptos, mas enfrenta problemas de assimetria de informação em relação aos candidatos e ocupantes de cargos eletivos: só estes, e não os eleitores, possuem informação completa sobre sua conduta individual. O problema que os eleitores enfrentam é o de obter informação sobre os políticos, sobretudo de fontes diversificadas (mídia, Tribunais de Contas, internet, ONGs), para chegarem a um juízo independente a respeito dos escândalos. Informação custa caro, e sua escolaridade e suas prioridades imediatas de sobrevivência o desencorajam de obtê-la.
Bombardeada por informações conflitantes, a típica eleitora brasileira é racionalmente ignorante. Ela chega à conclusão, racionalmente, de que é melhor assumir que todos os políticos são corruptos. E utiliza como parâmetro para sua escolha algum atributo adicional, em particular o potencial de o político garantir um bem privado, como, por exemplo, um emprego seu ou de parente numa prefeitura, uma bolsa de programa de transferência de renda ou até um bem público que produza benefícios espacialmente concentrados, como a pavimentação de uma estrada ou rua. Estes aspectos são “observáveis”, como também o são o Estado de que o candidato à Presidência provém - se Pernambuco ou São Paulo - ou seu estrato social. Ao escolher alguém com essas características, nossa eleitora mediana não estará premiando alguém que é corrupto. Ela está simplesmente escolhendo a alternativa que representa a sua segunda melhor escolha, a primeira sendo um político não-corrupto que assegure benefícios que a contemplem diretamente. Esta alternativa não pode ser realizada dada a sua incapacidade de distinguir o corrupto do não-corrupto. Na ausência de benefícios tangíveis, nossa eleitora pode mostrar-se indiferente e passa a exibir certo cinismo cívico.
O teste da suposta preferência pela corrupção só poderia ser feito comparando a escolha de um corrupto que assegure benefícios tangíveis com um não-corrupto que também o faça. Comportando-se desta forma, a eleitora mediana brasileira faz exatamente o que os eleitores do Estado americano de Michigan ou de qualquer outro da maior democracia do planeta fariam. O ideal seria que ela premiasse o político não-corrupto que assegurasse benefícios sociais amplos, como uma melhor segurança pública ou um Estado menos corrupto. Uma minoria escolhe seus eleitos assim, por razões ideológicas. Pelas mesmas razões, alguns preferem corruptos que produzem melhorias na distribuição de renda. Um grupo mais reduzido, de alta ou baixa renda, cinicamente escolhe governantes que sabe serem corruptos porque eles asseguram benefícios privados, alguns inomináveis.
Em pesquisa recente em todos os 184 municípios de Pernambuco, demonstramos que, quando tem acesso à informação no ano eleitoral, o eleitorado opta pela sua melhor opção: o não-corrupto que distribui benefícios concentrados. Ou seja, mesmo na terra de Severino Cavalcanti, os prefeitos que cometeram irregularidades comprovadas pelo Tribunal de Contas no ano eleitoral viram as suas chances de reeleição reduzidas em cerca de 20% nas eleições de 2000 e de 2004. Os eleitores mais informados e que não recebem bens privados - majoritariamente situados no Sudeste e no Sul do País - foram exatamente os que mais mudaram de voto. Eles haviam votado em Lula em 2002 e dele desertaram em 2006. O aspecto crucial é: por que razão?
Os eleitores do Nordeste e Norte, que o haviam apoiado em 2002, ao contrário, elevaram seu apoio. Os eleitores que têm mais informação e menos dependência de bens privados foram os que mudaram seu voto em razão da corrupção. O argumento que não é sustentável é o de que os setores mais pobres premiam o “rouba, mas faz”. Na realidade, estes desconsideram a corrupção como variável essencial por incapacidade de discernir o corrupto do não-corrupto. Esta incapacidade aflige a maior parte do eleitorado brasileiro, levando à banalização da corrupção, sinalizada pela frase: “Fizemos o que todos fazem.” Ela simplesmente não importaria.
O problema é que essa banalização seguramente tem levado a uma forte expansão da parcela de cínicos no eleitorado - aquela que cinicamente apóia corruptos porque eles fornecem bens privados. Nosso bom selvagem não é muito diferente dos de além-mar. Está mais para um ignorante racional do que para um cultivador perfeccionista de virtudes republicanas. Menos hobbesiano, amesquinhado e desprezível do que os comentaristas sugerem, ele é, simplesmente, igual aos outros.
Marcus Melo, Ph.D. pela Sussex University, ex-professor visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT), é professor de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco
Carlos Pereira, Ph.D. pela New School University, é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV) e da Michigan State University
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