Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

DORA KRAMER Um dossiê só não faz verão

Um dossiê só não faz verão

dora.kramer@grupoestado.com.br

O presidente Luiz Inácio da Silva analisou com clareza os fatos quando, em entrevista a emissoras de rádio do Nordeste, atribuiu o malogro do projeto de vitória em primeiro turno a uma série de fatores, e não apenas aos efeitos da tentativa do PT de desmoralizar o adversário por meio da montagem de um dossiê - ou vários, como vai sendo revelado por indicação da existência de outras ações semelhantes em Minas Gerais e na Bahia.

Lula citou alguns - o 'salto alto' decorrente da certeza da vitória de véspera, o 'jogo da oposição', a ausência no debate da TV Globo -, mas ignorou o mais importante: o conjunto da obra.

No quadro geral, o dossiê foi apenas uma obra mal feita e inacabada que funcionou como o resumo de uma ópera que parecia, mas não estava esquecida na cabeça do eleitorado.

Atribuir só ao dossiê Vedoin o descompasso entre as pesquisas e o resultado das urnas é acreditar piamente no mito da blindagem sem causa e na hipótese absurda de que o eleitorado julgaria quatro anos de governo por um episódio único, isolado e oficialmente provocado por uma campanha estadual.

O presidente candidato à reeleição percebe que não foi e quase toca no ponto quando conjectura: 'Um diz que foi o debate, outro que foi a quantidade de inverdades ditas. Acho que tem a ver com muito otimismo da minha tropa, tem a ver com as denúncias do dossiê, tem a ver com o trabalho dos adversários.'

'Tem a ver', sobretudo, com as 'inverdades ditas' nas diversas crises e escândalos, desde o primeiro, em fevereiro de 2004, quando o governo e o PT quiserem convencer o País de que o fato de o principal assessor parlamentar do ministro-chefe da Casa Civil pedir propina e negociar financiamentos de campanhas com um bicheiro era um caso isolado. Tão normal que não havia razão para negar ao autor do flagrante delito o privilégio da demissão 'a pedido'.

Daí em diante, tudo o que apareceu foi tratado na base da 'inverdade' e do propósito de confundir a cabeça do cidadão, levando-o a concluir que o exercício do poder público, no Executivo e no Legislativo, resume-se a uma competição entre corruptos.

Reconheça-se, houve sucesso parcial. Tanto que o presidente passou pela primeira etapa da eleição como favorito. Só não pôde saborear com mais entusiasmo o feito porque ele próprio e sua 'tropa' trataram de pintar o cenário do segundo turno como adverso, resultado só possível como fruto de 'golpe' da oposição empenhada em interditar a vontade do eleitor.

Agora o presidente não tem outro jeito a não ser saudar como 'positiva' a realização de uma nova etapa, mas também não tem como escapar do julgamento de que esta seja mais uma 'inverdade'.

Consolida a desconfiança quando uma hora desqualifica o dossiê, na outra o legitima, pedindo atenção para seu conteúdo, e ao mesmo tempo não desautoriza a propagação da versão segundo a qual tudo não passou de uma armadilha montada pelo PSDB para pegar os petistas.

O jogo de declarações desencontradas, de histórias mal contadas e justificativas mal-ajambradas acabou voltando-se contra o PT - como demonstra a perda de mais de 2 milhões de votos em relação à eleição parlamentar de 2002 - e fez o eleitorado decidir não entregar o cheque em branco que Lula esperava ter recebido domingo passado.

Quanto ao debate, é muito capaz de ter pesado mais contra Lula o faz-de-conta do vai-não-vai durante todo o dia do que propriamente sua ausência, de resto amplamente anunciada desde o início da campanha, quando acreditava na vitória do primeiro turno e, portanto, na possibilidade de escapar dos debates, confirmando presença só na etapa final.

Face à frustração provocada pelo segundo turno, seria de se esperar uma alteração de procedimentos. Houve, mas outra vez de maneira artificial.

A humildade estudada do presidente na sua primeira aparição pública depois do resultado foi confrontada com a soberba anterior e ontem produziu outra maquiagem no episódio do afastamento de Ricardo Berzoini da presidência do PT. Tudo combinado para dar a Lula o argumento da 'punição exemplar' no debate de amanhã na TV Bandeirantes.

Ainda assim, Lula insistiu em fantasiar, defendendo a permanência de Berzoini para simular a independência das decisões tomadas pelo PT - aí incluída a operação dossiê -, engrossando o plantel de 'inverdades ditas'.

De bandeja

Dois argumentos usados pelo presidente do PPS, deputado Roberto Freire, pesaram na volta de Denise Frossard e Cesar Maia à campanha de Geraldo Alckmin.

Primeiro, com a reação de repúdio estridente ao apoio de Anthony Garotinho acabaram valorizando um político que estava recolhido ao ostracismo.

Segundo, abriram a Garotinho a possibilidade de contabilizar os dividendos em caso de vitória de Alckmin.

A neutralidade na política, na visão de Freire, não beneficia o neutro. 'Só dá certo na Suíça e, ainda assim, nem sempre.'

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