Artigo - |
O Estado de S. Paulo |
23/10/2006 |
O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, está com um enredo coerente: o objetivo mais importante da política macroeconômica deve ser a redução dos gastos públicos. A seqüência virtuosa que se espera é a seguinte: um corte de gastos, forte o suficiente para propiciar uma redução da carga tributária, abre espaço para a queda mais acentuada dos juros. Se combinado isso com a criação de melhores condições para o investimento privado em infra-estrutura, estará aberto o caminho para a aceleração do crescimento econômico. A questão é: como cortar gastos públicos? Há, portanto, dois pontos a examinar: o enredo e a sua execução. Em entrevista de uma hora à Rádio CBN, sem regras rígidas e com tempo para que os entrevistadores (Heródoto Barbeiro e eu) pudessem perguntar e replicar, Alckmin elaborou uma proposta bem definida para a política econômica. Quanto ao diagnóstico: o País cresce pouco porque a carga tributária é muito elevada, os juros são altos e o dólar está barato, dificultando a vida de muitos setores exportadores. Como alterar isso? Alckmin afirma que não se deve mexer no regime de metas de inflação, com Banco Central (BC) autônomo. Ou seja, quem define a taxa básica de juros continua sendo o BC, para alcançar uma meta de inflação que já foi fixada em 4,5% pelo Conselho Monetário Nacional para os próximos dois anos. Pela previsão do mercado, supondo a plena manutenção do regime de metas, essa taxa básica, hoje de 13,75% ao ano, deve continuar caindo, de modo a alcançar 12,5% em dezembro de 2007. Com a inflação estabilizada na casa dos 4% ao ano, a taxa real de juros será, então, de 8,1% ao ano. Será um resultado notável quando comparado com o dos últimos anos, durante os quais essa taxa só caiu abaixo dos 10% por um mau motivo, a disparada da inflação. Quando se olha em torno, porém, o resultado é pobre. A taxa real de juros nos principais países emergentes fica entre 2% e 4%, ou seja, metade da que será a nossa no ano que vem, dando tudo certo. Como ir mais abaixo? Alckmin claramente se alinhou com os economistas para os quais a chave da virada está numa forte redução do gasto público. Com despesas menores, será possível reduzir a carga tributária, outro grande obstáculo ao consumo e investimento de pessoas e empresas. Essa combinação, e mais uma redução do endividamento público, permitirá a queda mais acentuada dos juros, num ambiente em que a política fiscal (das contas públicas) ajudará o BC. Hoje, atrapalha, na medida em que expande fortemente o gasto público. Conforme teses amplamente apresentadas neste espaço - a ponto, talvez, de cansar a paciência de leitores e leitoras -, o Brasil foi apanhado num círculo vicioso: o setor público aumenta gastos, aumenta impostos, aumenta a dívida, aumenta juros, e vai nessa ciranda. Para girar a roda ao contrário é preciso começar pela redução dos gastos. Mas como fazer isso? Para muitos analistas, não há possibilidade sem outra reforma da Previdência (a do INSS), que é, de longe, a maior despesa primária do governo federal. De janeiro a setembro deste ano, esse gasto chegou a R$ 120,3 bilhões, o que representa quase 45% das despesas totais. Mas o candidato Alckmin, certamente por razões eleitorais, diz que não é preciso fazer outra reforma da Previdência. “A reforma está feita”, afirmou na entrevista à CBN, acrescentando que é possível dar aumentos reais a todos os aposentados, incluindo os que ganham mais que o salário mínimo. Está dizendo aí que é possível aumentar a despesa previdenciária. Isso seria compensado com a conclusão da reforma da Previdência do setor público, especialmente a introdução dos fundos de pensão complementar. Em todo caso, seu programa escrito se refere à possibilidade de adoção de novas regras previdenciárias para os que venham a ingressar no mercado de trabalho. Essas regras, portanto, só teriam efeito fiscal em 30 anos, pelo menos. Para já, o candidato tucano acha que pode fazer uma forte economia só com administração mais eficiente, o tal choque de gestão. É difícil imaginar como. Somando os gastos com Previdência, salários do funcionalismo ativo e inativo, seguro-desemprego, benefícios assistenciais e Bolsa-Família, dá mais de 75% da despesa total do governo federal. E não se pode parar de pagar esses itens. Assim, é preciso supor que haja um enorme desperdício na gestão do governo federal, de tal modo que só a economia nas atividades-meio permitirá uma substancial redução de gastos. Por exemplo: sem cortar um único cartão do Bolsa-Família, seria possível fazer forte economia no processo administrativo do programa. Idem para a Previdência, e assim por diante. É só uma hipótese, por enquanto, e otimista. E Lula? Diz que não é preciso cortar gasto nenhum e, quando apertado, diz que não há onde cortar. Muitos de seus assessores, de governo e campanha, acreditam que haja espaço para aumentar o gasto público. Os números do governo federal cumprem o que o candidato promete. De 2004 para 2005, as despesas totais aumentaram 16%. Neste ano, até agosto, estão subindo 14%. As despesas com Previdência subiram 16% no ano passado e estão subindo outro tanto neste ano. Isso explica por que a carga tributária aumentou 3 pontos porcentuais do produto interno bruto (PIB). Leitores e leitoras mais tolerantes poderão dizer que é pouco. Mas o PIB brasileiro está na casa dos R$ 2 trilhões. Coloquem 3% em cima disso e se verá quanto de impostos estamos pagando a mais. Eis a diferença, portanto. Alckmin e Lula mantêm o regime de metas de inflação, o câmbio flutuante e o superávit primário. Lula acha que isso já está bom e que o País vai crescer forte, mesmo com carga tributária elevada e dívida alta. Impossível. Alckmin acha que é preciso começar a cortar custos, mas tem uma proposta para isso muito otimista. Tudo considerado, vai acontecer como sempre no Brasil - vamos fazer reformas às pressas, quando a crise fiscal estourar. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, outubro 23, 2006
A diferença entre Alckmin e Lula Carlos Alberto Sardenberg
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