Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

CELSO MING Overdose

Overdose

Em alguma medida, o Banco Central errou na dose dos juros. Se foi surpreendido, como todos foram, por uma inflação substancialmente mais baixa neste ano, é porque, até ter sido surpreendido, vinha calibrando sua política para uma inflação mais alta, que não se confirmou.

Mas, antes de prosseguir, é preciso conferir a quantas andamos. A inflação de setembro medida pelo IPCA ficou em 0,21%. Os top 5 (os 5 entre 100 informantes pesquisados pelo Banco Central que mais acertam previsões) esperavam 0,20%. Nos nove primeiros meses do ano, a inflação acumulada ficou nos 2% e no período de 12 meses terminado em setembro, em 3,70% (veja gráfico). Se esse 0,21% se repetisse nos três meses seguintes, o ano fecharia com uma inflação de 2,64%, número de país rico, como pode ser aferido na tabela acima.

Em junho deste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) repetiu para 2007 os mesmos 4,5% correspondentes à meta de inflação deste ano. Naquela ocasião, os três integrantes do CMN (ministros da Fazenda e do Planejamento mais o presidente do Banco Central) entendiam que seria muito difícil reduzir a inflação de 2007 para algo abaixo de 4,5%. E o argumento era o de que isso é uma corrida de 100 metros rasos. Um bom atleta consegue com relativa facilidade o tempo de 11 segundos. Muito mais difícil é baixar esse tempo para os 9,77 segundos, o recorde mundial. Por isso, o CMN manteve a meta de 4,5% de maneira a dar um prazo para consolidação das conquistas. Mas, de lá para cá, para espanto geral, a inflação caiu ainda mais.

Não se pode afirmar que o 'erro de dose' tenha provocado prejuízos graves à economia. Estão enganados os analistas para os quais mais folga nas rédeas da política monetária seria suficiente para garantir maior crescimento econômico. A inflação rastejante vai derrubar ainda mais os juros e logo se verá que vai ser preciso bem mais do que juros baixos para garantir crescimento sustentável. A principal trava à expansão da atividade econômica não é escassez de dinheiro (juros altos), mas falta de investimento e incertezas no marco regulatório.

Falta de investimento tem a ver com a gastança pública. São verbas destinadas à cobertura de gastos correntes (pagamento do funcionalismo público, dos aposentados e custeio da máquina), um dinheiro que escorre diretamente para o consumo. São essas despesas que puxam a dívida (mais os juros) e a carga tributária; e quase nada deixam para a expansão da infra-estrutura e dos serviços públicos.

As incertezas no marco regulatório, por sua vez, têm a ver, em primeiro lugar, com a flacidez das leis e, em segundo, com a má qualidade do funcionamento da Justiça. Quando um conflito de interesses leva anos a fio para ser dirimido porque a Justiça é lenta e confusa, o investimento fica mais arriscado.

Um desvio do centro da meta, de até 2 pontos porcentuais tanto para cima como para baixo, não pode ser considerado barbeiragem na política monetária, na medida em que é parte das regras do jogo. Além disso, esse desvio é de fácil correção. O Banco Central tem duas maneiras de fazer o ajuste: ou aumentando imediatamente o corte dos juros; ou prolongando por mais tempo a dosagem atual de 0,5 ponto porcentual por vez.

A afirmação do professor José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, de que 'o Banco Central exagerou', é aceitável na medida em que a queda da inflação foi maior do que a programada, mas não enquanto o Banco Central tenha desrespeitado determinações da política adotada.

E pode ser contestada no ponto em que Scheinkman estendeu esse exagero para 'os últimos três anos'. Em 2004 e 2005, a inflação ficou acima do centro da meta. Se houve exagero, não pode ser aferido pelo mesmo critério.

celso.ming@grupoestado.com.br

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