Bernardo de la Peña |
O Globo |
30/3/2006 |
Ex-ministros José Dirceu e Gushiken são acusados de corrupção ativa Nove meses de investigação sobre o escandaloso esquema do valerioduto resultaram ontem num relatório de mais de 1.800 páginas, no qual o relator-geral da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), poupou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu filho Fábio Luiz Lula da Silva por pressão dos governistas mas foi duro com o governo e o PT. O texto pede o indiciamento por corrupção de dois ex-ministros, José Dirceu e Luiz Gushiken, e não só confirma a existência do pagamento de mesadas a deputados, o mensalão, como refuta a tese de que se tratavam apenas de recursos de caixa dois eleitoral. A aprovação do relatório na semana que vem, porém, não está garantida por causa das divergências entre oposição e governo. O presidente Lula é citado, mas apenas como tendo tomado conhecimento da existência do que o ex-deputado Roberto Jefferson apelidou de mensalão. O texto informa que Lula ouviu Jefferson e pediu providências ao então ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, hoje presidente da Câmara. Serraglio não acusa Lula de omissão, mas sugere que ele poderia ter tomado conhecimento dos fatos anormais. Além de Dirceu e Gushiken, Serraglio pediu o indiciamento de outras 120 pessoas, entre elas todos os ex-dirigentes do PT responsáveis, direta ou indiretamente, pelo esquema do empresário Marcos Valério. Dezenas de diretores e ex-diretores de estatais envolvidos em irregularidades deste governo e do passado, dirigentes de fundos de pensão e parlamentares que receberam dinheiro das contas de Valério também tiveram o indiciamento pedido. Assim como o ex-governador e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo, o único senador incluído na lista. Valério foi o que recebeu o maior número de pedidos de indiciamento: nove, inclusive por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ativa. Outras 50 pessoas terão de ser investigadas pelo Ministério Público para aprofundar apurações que a CPI não teve condições de concluir. A lista de indiciamentos inclui os 19 parlamentares que passaram pelo Conselho de Ética da Câmara e mais o senador tucano Azeredo, que recebeu empréstimos de R$ 9 milhões irregulares de Valério na sua campanha pela reeleição para o governo de Minas em 1998. Sobre o mensalão, Serraglio foi incisivo: "Meses de investigação se passaram, e a consciência da existência do mensalão se impôs àqueles que deram de ombros ou quiseram ignorar a verdade expressa pelos fatos. Este relatório é a narrativa desse enredo político em detalhes e mostra que o mensalão foi uma realidade". Dirceu é citado primeiro como o responsável pelo esquema e depois por causa das reuniões que teve com dirigentes dos bancos BMG e Rural — que também tiveram seu indiciamento solicitado. Há ainda referência ao fato de a ex-mulher do ex-ministro ter conseguido, por intermédio de Valério, um emprego no BMG e um empréstimo para compra de um apartamento. Já Gushiken, que continua no governo como chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos, teve o indiciamento pedido por corrupção ativa e tráfico de influência. Como era chefe da Secretaria de Comunicação, foi responsabilizado por irregularidades na contratação das agências de Valério, por adiantamentos feitos pelo Banco do Brasil ao empresário e pela influência nos fundos de pensão que também foram investigados. Toda a antiga cúpula do PT está na lista de pessoas que tiveram o indiciamento solicitado ao Ministério Público: o ex-presidente José Genoino, o ex-secretário-geral Silvio Pereira, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário de Comunicação Marcelo Sereno. Sereno foi indiciado no relatório do deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) junto com outras 49 pessoas pela sua influência nos fundos de pensão. Serraglio retirou do texto os pedidos de indiciamento de alguns dirigentes e ex-dirigentes por formação de quadrilha, que o pefelista havia feito. Além de dirigentes de 12 fundos, o relatório pede o indiciamento de diretores de corretoras e investidores que lucraram com negócios irregulares. Os principais problemas foram encontrados em operações da Prece, Núcleos, Real Grandeza e Refer. O episódio da lista de Furnas — que continha os nomes de mais de 150 parlamentares que teriam recebido doações ilegais de um suposto esquema de corrupção na estatal — faz parte do relatório, mas os pedidos de indiciamento neste caso são para os que divulgaram a lista, Nilton Monteiro e Luiz Fernando Carceroni, porque, segundo o relatório, o documento era falso. O publicitário Duda Mendonça, que também teve o indiciamento pedido, deve continuar sendo investigado. A CPI não conseguiu descobrir a origem dos recursos que abasteceram as suas contas no exterior. Porém, há uma diferença de cerca de US$ 400 mil entre o registrado nos extratos da conta Dusseldorf e o que ele disse ter recebido. O relatório pede que ele ainda seja investigado por evasão de divisas. Além disso, quatro saques feitos na conta do publicitário em 18 de junho de 2003, no total de US$ 1,3 milhão, teriam alimentado contas ligadas a ele mesmo, indicando mais uma operação para ocultação dos valores no próprio BankBoston International na Flórida e no Bankhaus suíço. A descrição das irregularidades nos Correios, estatal que batizou a CPI, ocupam, juntamente com a apresentação do relatório, as primeiras 474 páginas do documento. Foram encontrados contratos superfaturados que somam cerca de R$ 100 milhões nas áreas de transportes, publicidade, franquias e informática. Por causa disso, Serraglio, que reproduziu o trabalho do deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), pediu o indiciamento de 20 pessoas. Entre elas dois presidentes da estatal no governo Fernando Henrique, Hassan Gebrin e Egydio Bianchi. O relator criticou o uso de hábeas-corpus concedidos pelo STF pelos depoentes. E citou até a Bíblia. "Se disseres 'eu não sabia', Aquele que sabe os corações perceberá, Aquele que atenta para as almas saberá, e retornará a cada qual segundo os seus procedimentos". |
Entrevista:O Estado inteligente
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‘O MENSALÃO FOI UMA REALIDADE’
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