Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 29, 2006

Desafio para o novo ministro

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO
 
 
Desafio para o novo ministro

No mesmo dia em que o novo ministro da Fazenda tomava posse e em que o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e seu adjunto, José Antonio Gragnani, anunciavam suas demissões, o Banco Central (BC) divulgava as contas fiscais de fevereiro mostrando que nos dois primeiros meses do ano houve uma significativa deterioração das contas públicas, que evidencia o lado fraco da política do ex-ministro da Fazenda. Desde o final do ano passado, Palocci vinha cedendo às pressões para a expansão dos gastos, feitas principalmente pela ministra Dilma Rousseff.

Entre os economistas existe consenso de que a melhoria da situação econômica do País e uma retomada do crescimento exige drástica redução de grande parte dos gastos correntes e maior eficácia nos restantes. No entanto, segundo os dados publicados pelo BC, nos dois primeiros meses do ano o déficit nominal do setor público atingiu 7,33% do PIB, contra apenas 2,93% no mesmo período de 2005. Paralelamente, o superávit primário, que cobre parte dos juros da dívida pública, caiu de 5,38% do PIB em 2005 para 2,43%, no período janeiro/fevereiro deste ano. Acrescente-se que o valor nominal dos juros pagos, que deveria ter caído em função da redução da taxa Selic e dos papéis atrelados a essa taxa, representou 9,77% do PIB, contra 8,21%, no mesmo período. Ou seja, a dívida cresceu em conseqüência da gastança.

O documento do BC mostra como se deterioraram as contas públicas. Enquanto o superávit primário de Estados e municípios, nos dois primeiros meses do ano, caiu de 1,95% do PIB para 1,20%, o do governo central (governo federal, BC, INSS) caiu muito mais: de 3,64% para 2,06%. Os dados do Resultado do Tesouro Nacional, divulgados na véspera, já antecipavam esse agravamento. Embora com metodologia diferente da do BC, o Tesouro mostrava um aumento de 9,7% das receitas, nos dois primeiros meses de 2006, para um aumento das despesas muito maior, de 17,0% .

Já as empresas estatais federais apresentaram déficit primário de 1,14% do PIB ante 0,79% nos dois primeiros meses de 2005, o que demonstra ser geral a vontade de gastos do governo federal.

São dados preocupantes, que contrariam o esforço feito pelo secretário do Tesouro, Joaquim Levy, que desenvolveu um trabalho admirável para analisar os problemas do déficit público e sugerir as reformas necessárias para afastar a grave ameaça que representa, para o crescimento sustentável da economia nacional, a evolução do déficit público e seu financiamento apenas por um aumento contínuo da carga tributária.

O agravamento das contas fiscais, com certeza, tem sua causa na campanha eleitoral. Durante três anos o governo sacrificou os investimentos em infra-estrutura e atribuiu essa falha à política monetária, nunca reconhecendo que a culpa cabia a ele próprio, que não ofereceu ao BC condições para melhor calibrar sua política. O BC praticamente ficou sem alternativas, diante do crescimento excessivo das despesas correntes e, mais ainda, da total ausência de preocupação em melhorar a qualidade dos gastos e de resistir à tentação de praticar uma política demagógica, como mostrou a decisão de elevar o salário mínimo sem levar em conta as repercussões sobre o déficit da Previdência Social. A administração das finanças públicas não pode ser orientada pela campanha eleitoral. Neste sentido, o então poderoso ministro Antonio Palocci ficou alheio à sua missão.

Caberá ao novo ministro da Fazenda enfrentar com realismo esse problema. Se quer manter o prestígio que Palocci obteve no exterior, com grandes vantagens para o País, é preciso que inove no gerenciamento dos gastos públicos, reduzindo, de um lado, a absurda carga tributária e, de outro, melhorando a qualidade das despesas. Só assim poderão ser aumentados os investimentos, sem que se coloque em risco o sucesso que seu predecessor teve no controle da inflação. Esse é, também, o caminho para elevar o nível de empregos e dispor de receitas para gastos sociais sem sacrificar investimentos em infra-estrutura. A retomada do crescimento depende apenas de uma política racional.

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