Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 30, 2006

O mantra de Mantega

O mantra de Mantega
Editorial
Correio Braziliense
30/3/2006

Nomeado ministro da Fazenda, o professor Guido Mantega apresentou-se à imprensa e recitou um mantra: a orientação econômica será mantida, porque a política adotada nos últimos três anos era do presidente da República, não do ministro Antonio Palocci, e o presidente continuará seu trabalho. Esse mantra pode ser a mensagem politicamente correta, destinada a aliviar o nervosismo dos mercados. Mas é falsa.

O presidente não tem uma política econômica. Foi bastante esperto para adotar um discurso moderado, na disputa eleitoral de 2002, e para seguir no governo o caminho aconselhado pelo coordenador de sua campanha, convertido em ministro da Fazenda. Esse ministro, Antonio Palocci, dividiu as tarefas mais importantes do governo com José Dirceu, chefe da Casa Civil, e depois com sua sucessora, Dilma Rousseff.

Durante a maior parte do tempo, o presidente deixou-se levar pelas figuras mais fortes da equipe, capitalizando o prestígio dos acertos e esquivando-se da responsabilidade pelos tropeços políticos e morais.

Se houve alguma tranqüilidade econômica nos últimos três anos, foi graças à firmeza do ministro Palocci na defesa das políticas fiscal e monetária, alvejada continuamente pelo fogo amigo do vice-presidente, de outros ministros, da cúpula do PT e da base aliada.

Tem-se atribuído ao presidente o mérito de haver sustentado as decisões de Palocci e, por extensão, do Copom, responsável pela política de juros. O presidente Lula pode ter-se envolvido nessa defesa, mas não o teria feito com o mesmo vigor se o ministro da Fazenda fosse menos combativo. O ministro Palocci destacou-se também pela qualidade técnica de sua equipe. Os postos mais importantes da Fazenda foram preenchidos por pessoas de competência inegável. Os poucos petistas da equipe são especialistas com respeitável currículo profissional. Enquanto outros ministérios sofreram o aparelhamento, a Fazenda manteve o profissionalismo.

O Ministério da Fazenda perdeu peso político, no entanto, a partir do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a dar maior atenção ao gabinete de campanha, chefiado pela ministra Dilma Rousseff e integrado por alguns ministros empenhados em torpedear a política de estabilização. Em sua vitória mais notável, esse grupo conseguiu barrar a proposta, apresentada por Palocci e por seu colega do Planejamento, Paulo Bernardo, de um programa ambicioso e mais conseqüente de combate ao déficit público. Se esse programa fosse adotado, o Brasil subiria mais facilmente, nas classificações internacionais, ao ambicionado grau de investimento. Seria o caminho mais curto e mais seguro para o corte de juros e para o maior crescimento.

A recusa desse programa foi determinada pela intenção de maiores gastos eleitorais. Com a nova meta fiscal, o governo não teria de gastar menos que nos últimos anos. Só precisaria conter a expansão de gastos, principalmente de custeio.

Essa contenção foi evitada e os últimos números do Tesouro mostram despesas 17% maiores que as do primeiro bimestre de 2005. Mais pressões surgirão nos próximos meses, com aumento das despesas salariais previdenciárias. Se o novo ministro da Fazenda for menos firme que seu antecessor, até o modesto objetivo de um superávit primário de 4,25% do PIB poderá tornar-se irrealizável.

A nomeação de Mantega foi saudada por alguns empresários como prenúncio de juros em queda acelerada, embora o ministro, nas primeiras declarações, tenha procurado desconversar. Dirigentes sindicais também festejaram, prevendo a elevação dos gastos públicos.

As pretensões de outros ministros, especialmente dos mais empenhados na campanha eleitoral, são conhecidas. Se as decisões dependerem apenas da arbitragem do presidente da República, o abandono do caminho seguro - talvez de forma discreta, nos primeiros passos - será quase inevitável. Se depender apenas de mantras, o novo ministro não enriquecerá seu currículo na passagem pela Fazenda. Mantega terá de mostrar, diante das pressões, se será apenas um conveniente ocupante do ministério ou um sucessor de Palocci.

 

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