O Globo |
28/3/2006 |
A saída do ministro da Fazenda Antonio Palocci é emblemática porque deixa a descoberto dois aspectos graves da crise que domina a última metade do governo Lula, aspectos que se entrecruzam formando um amplo painel do que seja a atuação do PT nas últimas décadas: o aparelhamento do Estado com fins partidários, que resultou na maior crise institucional já vivida pela nossa democracia desde o fim da ditadura militar, cuja face mais vistosa foi a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa; e o desmanche em praça pública da estrutura política que levou Lula ao Palácio do Planalto. A confirmação do também demitido presidente da Caixa Econômica, Jorge Mattoso, de que ele mesmo entregou pessoalmente o extrato do caseiro em mãos ao ministro Palocci, mostra a face mais cruel do aparelhamento do Estado: usá-lo para constranger eventuais adversários. Mattoso é do grupo de Marta Suplicy no PT, os demais técnicos que participaram da operação eram militantes petistas colocados em postos de destaque na hierarquia da CEF. Se aceitarmos a tese, defendida pela sua família e pelo Ministério Público, de que o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, quando já estava escolhido como o coordenador da quarta campanha de Lula à Presidência, tem a ver com os desvios de conduta da base municipal petista na arrecadação de "dinheiro não contabilizado" para as campanhas políticas do partido, veremos que, de uma maneira ou de outra, a forma de financiar o Partido dos Trabalhadores para a chegada ao poder central tem a ver com a tragédia que se abateu sobre o partido. Tragédia que não deixou em pé praticamente ninguém do núcleo central de poder que imaginou a estratégia e coordenou a campanha presidencial vitoriosa em 2002. Os relatos de membros do partido original que fizeram parte da primeira leva de militantes chegada ao poder, como Paulo de Tarso Venceslau e César Benjamim, já davam conta de que nos anos 90 o PT já se utilizava de arrecadação ilegal de fornecedores de seus governos municipais para se financiar. Os maiores amigos do líder sindical Lula, o também sindicalista Paulo Okamotto e o empresário Roberto Teixeira, já estavam envolvidos, desde os primeiros momentos, nas denúncias de corrupção das prefeituras paulistas onde o PT venceu as primeiras eleições, e continuam hoje envolvidos em episódios nebulosos como o do empréstimo pessoal de Lula pago por Okamotto, ou vantagens financeiras, não necessariamente ilegais, auferidas por Roberto Teixeira em negócios envolvendo o governo. O chamado "núcleo duro" do governo Lula, responsável pela montagem da nova estrutura da administração pública, e pela estratégia de ação do governo, foi sendo deixado pelo caminho, à medida que seus membros foram se tornando inconvenientes ao projeto maior que animava a todos, a manutenção do poder a qualquer custo. Antes de Palocci, o coordenador da campanha eleitoral e esteio do governo na área econômica, caíra o homem forte do governo, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Ele está hoje às voltas com a tentativa patética de recuperar no Supremo o mandato parlamentar cassado no Congresso por ter sido identificado por seus pares como o coordenador do mensalão, que comprou corações e mentes para o apoio parlamentar ao projeto de poder. O homem da estratégia e comunicação do início do governo, Luiz Gushiken, está exilado na secretaria de Assuntos Estratégicos, depois de ser humilhado publicamente sofrendo dois rebaixamentos seguidos de suas funções, e ainda corre o risco de ser indiciado pela CPI dos Correios como manipulador das verbas publicitárias e dos fundos de pensão a favor da cooptação política. Do núcleo original, sobrou o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, que, como bom mineiro, permanece nas sombras, longe de qualquer envolvimento com as falcatruas que vão sendo reveladas, mas longe também de qualquer tipo de poder mais ostensivo. Cogitado para ser o presidente do PT em substituição a Tarso Genro, ele que foi um dos fundadores do PT como sindicalista da área de educação, declinou do convite e continuou em seu bunker no Planalto. Nunca houve na história recente do país um governo que tenha se desmanchado no ar durante o seu desenrolar como este. A campanha pela reeleição, que já foi uma incógnita, parecia um segredo de polichinelo há poucas semanas e hoje entra novamente em uma zona cinzenta, se acontecer deverá ser travada com o apoio de um partido político enfraquecido como o atual PT, e de uma equipe de segunda importância na hierarquia política do grupo que chegou ao poder em 2002. Mais do que nunca, a possibilidade de Lula se reeleger está dependente de seu carisma pessoal, de sua capacidade de convencer o eleitorado de que ele é o pai dos pobres e não tem nada a ver com os repetidos desmandos dos diversos escalões de seu governo. O artigo 15 da Lei 9.613, que criou o Coaf diz: "O Coaf comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito." As estatísticas do próprio Coaf indicam que em 2004 o órgão recebeu 85.152 comunicações de operações atípicas ou em espécie, e apenas 453 (0,53%) foram encaminhadas para investigação pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Isso quer dizer que não se sustenta a versão do presidente do Coaf de que apenas cumpriu a lei ao encaminhar à Polícia Federal um pedido de investigação sobre a poupança do caseiro Francenildo Costa. O Coaf poderia não ter dado curso a essa manobra de coação contra uma testemunha incômoda ao governo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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