Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 28, 2006

Míriam Leitão - Nova direção

Míriam Leitão - Nova direção
Panorama Econômico
O Globo
28/3/2006

Não será mais do mesmo. O ministro Guido Mantega é bem diferente de Antonio Palocci e isso deve ser sentido hoje no mercado. Deve aumentar o grau de pessimismo em relação ao Brasil. A declaração de que vai manter a política econômica era esperada, mas o ministro que assume já teve brigas públicas com o secretário do Tesouro e com o Banco Central e divergências explícitas com a orientação que promete manter.

O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e seu segundo, José Antônio Gragnani, já estão de malas prontas e têm o álibi perfeito: já estavam decididos a ir embora, cada um com o destino já acertado anteriormente. O secretário Murilo Portugal também avisou que vai sair. A propósito, ontem Mantega ligou para Murilo Portugal com a intenção de pedir que ele ficasse e Portugal disse que já tinha divulgado a carta comunicando sua saída.


Na rápida entrevista que concedeu no Palácio do Planalto, o ministro Guido Mantega elogiou a política econômica, mas não fez qualquer referência elogiosa ao seu antecessor, o que deveria fazer nem que fosse para seguir o protocolo. Quando um jornalista perguntou se haveria mudança no Banco Central e na Secretaria do Tesouro, ele, provavelmente por descuido, disse que avaliaria isso após assumir. Qualquer insinuação de mudança no Banco Central, no momento, pode produzir uma queda forte na confiança nos papéis brasileiros. O que ele deveria ter dito é que o presidente do BC é também um ministro.

Ontem, o mercado terminou o dia bem, mas, em parte, porque houve uma confusão de informação. Nas mesas, circulou a informação de que Palocci fora "afastado" e isso foi interpretado não como uma saída definitiva. A demissão de Palocci e a nomeação de Guido só foi confirmada um pouco mais tarde. Vários analistas apostam que hoje será um dia de alta de risco e dólar e de queda de bolsa. O que eles dizem é que a nomeação de Guido não está nem um pouco "precificada", ou seja, os indicadores vão piorar.

Vai haver uma piora no primeiro momento, uma recuperação em seguida, para, depois, consolidar-se um cenário mais pessimista de médio prazo. Aumenta muito agora a incerteza em relação a um segundo governo Lula. Mesmo que o presidente mande garantir que a política econômica é dele, ninguém duvida que ela foi conduzida por Palocci, que exercia grande poder de convencimento junto ao presidente. Várias vezes a tendência do presidente era tomar decisões que entravam em conflito direto com a orientação da política econômica. Cabia a Palocci explicar o conflito e convencer Lula a tomar o caminho que desse coerência à política.

Palocci caiu porque não poderia permanecer. Já se enfraquecera com as denúncias, as contradições nas quais entrou, o conflito com a ministra Dilma Rousseff. Foi enfraquecido assim que ele virou parte de um caso que era uma quebra de sigilo bancário, mas representava muito mais: o que se viu foi o uso do Estado para acossar uma testemunha. Inaceitável, como escrevi aqui. Até o gerente do Piauí chamou o suposto pai do caseiro para dar explicações sobre o depósito. Não há dúvida de que a Caixa foi usada de uma forma política. É conseqüência natural de um governo que aparelhou a máquina pública de forma abusiva.

Palocci assumiu quando a inflação estava em 12% e a entregou em 5%; o país tinha reservas de US$ 16 bilhões, tem hoje reservas de quase US$ 60 bilhões; pagou antecipadamente ao FMI, Clube de Paris e encerrou o acordo do Brasil com o Fundo e colocou o país no caminho de ser considerado investment grade . O desemprego caiu do patamar de 13% para 10%, mas o crescimento foi baixo. Houve apenas um ano de forte crescimento. Credite-se a Palocci ter debelado a grave crise de confiança que se abateu sobre o Brasil na eleição do presidente Lula.

Guido Mantega é um fiel auxiliar de Lula, sempre foi seu assessor econômico e um dos principais redatores daqueles programas econômicos que assustaram o mercado e os eleitores em outras eleições.

No atual governo, foi um ministro do Planejamento que não explicitou suas divergências com o então ministro da Fazenda. E foi um presidente do BNDES que brigou bem menos com a política econômica que seu antecessor. Mas brigou. Fez ataques pessoais a Joaquim Levy e à equipe do Banco Central. De Joaquim Levy, ele disse certa vez que tinha opinião de "alguém que não enxerga um palmo adiante do nariz". Do Banco Central, disse que o país poderia ter crescido 4% no ano passado se os juros caíssem dois pontos percentuais.

O novo ministro terá de enfrentar logo os primeiros desafios: a reunião do Conselho Monetário Nacional que decidirá sobre a nova TJLP e o pacote de ajuda pedido pelos produtores rurais. Guido Mantega sempre defendeu a queda da TJLP como uma forma de impulsionar o investimento privado. De fato, barateia o custo do investimento, mas o problema é o tamanho do subsídio numa taxa de 9% que pode chegar, se depender da proposta de Guido, a 7% num país onde o Tesouro se financia a 16,5%. Com o pacote rural todo o cuidado é pouco, porque pode representar um enorme subsídio se o ministro da Fazenda não souber dizer não aos pedidos sempre ilimitados.

No Brasil, com a atual carga tributária, com o aumento dos gastos correntes do governo, com a pressão diária sobre o caixa do governo por benefícios a diversos lobbies, um ministro da Fazenda faz bem seu papel se sabe enfrentar estas pressões por mais gastos. Guido Mantega terá que se distanciar muito da fé que professava em 2001 quando, numa entrevista, elogiou a política econômica dos anos 70 e disse que "os militares tinham um projeto". Hoje um projeto como aquele quebra o país em dois tempos.

 
 

Arquivo do blog