Carlos Alberto Di Franco
A pré-campanha eleitoral está nas ruas. E as pesquisas, ferramentas que tentam antecipar as tendências do eleitorado e os prováveis eleitos, são a manchete do momento. A escolha dos governantes, não obstante o caráter pessoal e secreto do voto, não é, no processo de formação da opinião, um ato solitário. A opinião dos cidadãos se forma num ambiente de diálogo e interação. As pesquisas contribuem para o estabelecimento do grande debate cívico. Elas representam, portanto, uma manifestação concreta do direito à informação. Além disso, democratizam o noticiário. O processo eleitoral na Velha República não era distorcido apenas pela corrupção e pela fraude. A maior manipulação decorria da falta de acesso à informação. A livre circulação da notícia é capaz, por exemplo, de minimizar os efeitos manipuladores do poder econômico. O acesso à informação contribui, e muito, para o amadurecimento do eleitorado. Por isso, as pesquisas têm contribuído para o fortalecimento das democracias.
Mas a importância das pesquisas não elimina a necessidade do seu aprimoramento, sobretudo no que diz respeito à sua divulgação pela mídia. De fato, os problemas não costumam estar nas pesquisas (os institutos brasileiros de pesquisa têm uma tradição de seriedade e profissionalismo), mas na maneira como são interpretadas e divulgadas. Recente pesquisa feita para a Confederação Nacional da Indústria pelo Ibope foi destacada por manchetes equivocadas. Lula aumenta vantagem sobre Alckmin, indica pesquisa Ibope. Lula tem o dobro dos votos de Alckmin. Ora, caro leitor, quando a pesquisa foi feita, a candidatura Alckmin nem sequer tinha sido homologada pelo PSDB. As manchetes, involuntariamente, induziam o leitor ao erro. Já a pesquisa do Datafolha, posterior ao lançamento formal da candidatura do governador de São Paulo, mostrava um quadro bem diferente. Lula permanecia estável, mas Alckmin subira seis pontos. Culpa dos institutos? Não. Interpretação precipitada da imprensa, sim.
O protagonismo excessivo das pesquisas na mídia empurra para segundo plano a discussão das idéias, dos planos de governo e das políticas públicas. A participação da imprensa na divulgação dos resultados das pesquisas influi decisivamente na configuração da opinião pública e da vida democrática do Brasil. Impõem-se, por isso, cuidado redobrado e, sobretudo, bom adestramento técnico dos jornalistas a respeito do procedimento das pesquisas.
É um equívoco reduzir a cobertura política a uma mera reprodução dos índices fornecidos pelos institutos de pesquisa. Trata-se, certamente, de uma postura informativa que brota de uma reta intenção: transmitir um quadro isento do momento eleitoral. Tal decisão, no entanto, tem o seu reverso negativo e exige, talvez, uma mudança de orientação. O simples registro das pesquisas pode apresentar um quadro superficial da realidade. Ocultam-se, por exemplo, aspectos relevantes do perfil dos candidatos, seu passado político, as forças que o sustentam, suas idéias, a consistência de suas propostas.
Outra distorção, grave e recorrente, ameaça a qualidade da cobertura eleitoral: a passividade da imprensa diante da força do marketing político. Vende-se, freqüentemente, um produto fraco, mas embalado num pacote atraente. Mata-se a política e se cria o espetáculo. O candidato passa a ser valorizado não pelos seus méritos intrínsecos, mas pela sua performance nas pesquisas. Novas sondagens realimentam o clima do show eleitoral. Tem faltado à imprensa capacidade de criar sistemas e metodologias de trabalho que lhe permitam sair da superfície e dos apelos do marketing e se aprofundar, efetivamente, na discussão das idéias. Trata-se, estou certo, de papel irrenunciável do jornalismo de qualidade. Os jornais não podem ser simples transmissores, mas, também, contraponto, um espaço para uma reflexão mais séria.
A isenção deve ser um valor a ser procurado. Constantemente. Mas a neutralidade é uma falácia. A cobertura eleitoral de qualidade reclama um permanente esforço de imparcialidade, mas, ao mesmo tempo, não se pode renunciar ao sadio espírito crítico que está na entranha do bom jornalismo. Parece-me que o ângulo acertado para uma boa cobertura é focar a lente jornalística não nos políticos e em suas assessorias de marketing, mas nas demandas da cidadania. Os jornais precisam ir mais além dos resultados das pesquisas. Do questionamento dos diários, da análise interpretativa dos números revelados nas pesquisas, das reflexões provocadas pelas páginas impressas e dos debates travados no espaço público da mídia podem, sem dúvida, medrar importantes frutos para a democracia.
Foco no cidadão. Eis a melhor receita. É importante não perder a perspectiva de que os sujeitos de todo o processo eleitoral são as pessoas. No cerne dos institutos que pesquisam, do público que é pesquisado, das empresas que processam e divulgam a informação, dos leitores que recebem os dados e dos candidatos e partidos políticos que apresentam seus programas e plataformas estão pessoas individuais. Não se pode despersonalizar o processo eleitoral, sob pena de se eliminar a responsabilidade. Não são entes jurídicos, mais ou menos abstratos, que respondem pelo andamento das eleições. São pessoas concretas. Com nome e sobrenome.
Dessa realidade encarnada na pessoa derivam a estabilidade e a segurança do processo eleitoral.