Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 29, 2006

De Antonio a Guido PAULO RABELLO DE CASTRO

FSP

Um hipotético e-mail de Antonio Palocci a Guido Mantega, na véspera da decisão presidencial de substituir o primeiro pelo segundo, teria tido a seguinte possível redação.
"Caro Guido: depois da última conversa que tive com o presidente, ficou clara a necessidade de meu afastamento e a conveniência de você assumir no meu lugar. A tarefa de estabilização, que começamos juntos, com você no Planejamento e eu, aqui, na Fazenda, está praticamente concluída. Contava terminar este ano colhendo os resultados finais e definitivos do nosso trabalho: câmbio e inflação totalmente sob controle, em pleno ano eleitoral, salários e massa de empregados em alta e a economia empurrada de volta aos 4% de crescimento com a ajuda de mais crédito, menos juros e mais investimentos, inclusive públicos. Nesta cadeira, aprendi que não se tem o que inventar em matéria de economia. Sei que essa é sua área, como economista. Mesmo assim, atrevo-me a avançar no conselho que você não pediu: desvie-se de qualquer projeto mais audacioso, não cogite nada mirabolante. Aqui não dá. Não no governo. O que funciona -agora tenho certeza- é o tradicional feijão-com-arroz, deixando ao mercado (nosso verdadeiro patrão) a tarefa de ditar o ritmo e a direção de pequenas e eventuais mudanças na política econômica. Ao ministro da Fazenda, no Brasil de hoje, já não cabem mais as tarefas do tipo exótico, tal como tentar projetar um futuro, atrelado à visão daquele que, como presidente da República, a concebeu e a fez aprovar pela opinião pública. Fale em crescimento, sim, mas seja discreto, para não ser mal interpretado pelo mercado, como sendo mais um desses inflacionistas do passado, que emitiram dinheiro a rodo para financiar os investimentos públicos deficitários.
Por falar em déficit, essa será sua tarefa principal, como foi a minha: ficar cercando o déficit público, por todos os lados. Não é à toa que consegui superávits primários cada vez maiores em 2003, 2004 e 2005, para nenhum tucano botar defeito. Ficam insistindo em baixar a carga tributária, mas não tem outro jeito senão continuar arrecadando sempre mais porque, além da conta dos juros da dívida -muito difícil de controlar-, tem também o déficit da Previdência, nos dois regimes, que é uma verdadeira bola-de-neve. Juntos, esses dois itens são capazes de eliminar a sua pouca margem de manobra no Orçamento. Ah! Por falar nisso, peça ao Aldo Rebelo para apressar a votação da proposta orçamentária, pois vai pegar muito mal para o governo Lula passar do quarto mês do atual exercício financeiro sem um Orçamento aprovado...
Deixo-lhe uma ou duas batatas quentes para resolver. A mais emergencial é a questão da renda da agricultura, que está despencando neste ano, na esteira de preços em queda em todo o complexo de grãos e carnes. Isso afeta bastante todo o interior do país, exceto (felizmente!) em regiões como a minha, dedicadas a lavouras como cana-de-açúcar. O problema é sério e deixei gente estudando um pacote de alívio, embora todas as alternativas -você bem sabe- representem pesados desembolsos do Tesouro. Mas, num ano eleitoral, acho que não convém contrariar o setor produtivo...
Outra questão espinhosa é o ritmo das liberações de verbas, que estive contingenciando pela não-aprovação do Orçamento. Acho que você enfrentará uma barra pesada para controlar os gastos. A pressão começa pelo próprio palácio. Mas não diga que comentei.
Finalmente, deixarei, caso saia mesmo amanhã, umas anotações minhas -em cima da mesa do meu (aliás, seu) gabinete- contendo idéias sobre como conduzir um debate econômico com vistas ao provável segundo mandato do nosso presidente. Dependendo de como estiverem as prévias eleitorais, quando você se firmar no cargo -coisa que, tenho certeza, acontecerá- começarão a martelar na imprensa sobre qual seria a pauta econômica de Lula para os próximos quatro anos. Claro que tem de abordar "reformas", porque a mídia sempre se encanta com a possibilidade de mudanças. Mas, de novo, repito-lhe o que aprendi: vá com calma nas promessas porque conseguir manter o mercado feliz vale mais do que qualquer arroubo reformista. Se o presidente quiser, deixa ele puxar o assunto do "espetáculo do crescimento", até porque, do jeito que tivemos sorte nesses três últimos anos, dificilmente um cenário mundial tão favorável se repetirá daqui para a frente.
Concluo desejando-lhe todo o sucesso que v. merece. Estarei fora por uns tempos, mas continuo disponível.
Uma última dica: abre o olho com porteiros, garçons, caseiros etc. Embora o rapaz do cafezinho, que serve no andar do ministro, seja de total confiança.
Um abraço do
A. Palocci."

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