Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 26, 2006

FERREIRA GULLAR Último ato

FOLHA 

Como registrei aqui alguns momentos da comédia das CPIs, não poderia deixar de mostrar o ato final da CPMI dos Correios, em que o espetáculo atingiu talvez o seu ápice, não pelo que revelou, mas por nada ter revelado.
Era a última sessão pública daquela CPI e nela foi ouvido o publicitário Duda Mendonça, que veio munido de um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal, concedendo-lhe o direito de não responder a perguntas que o incriminassem. É estranho, mas é a lei. Foi tão surpreendente o que ocorreu ali que me sinto compelido a mostrá-lo, não como narrativa e sim como alegoria.
Relator - Senhor Duda Mendonça, V.S. declarou em depoimento anterior que recebeu R$ 10 milhões do PT. Confirma essa declaração?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - Esse dinheiro seria o pagamento de parte dos serviços que o senhor prestou ao PT durante campanha presidencial de 2002. Confirma?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - É verdade que sua filha tentou transferir para o Brasil parte do dinheiro que o senhor tem na conta Dusseldorf?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - Conhece a senhora Zilmar Fernandes?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Um deputado - Senhor presidente, uma questão de ordem... O senhor Duda Mendonça não pode negar-se dessa maneira a responder a todas as perguntas do relator!
Presidente - Lamento, mas ele está protegido por uma liminar do Supremo... Prossiga, senhor relator.
Relator - Senhor Duda Mendonça, o senhor é casado? Pode dizer o nome de sua esposa?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - Quanto filhos o senhor tem?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - Senhor Duda, que o senhor se negue a responder a perguntas que possam incriminá-lo, está no seu direito, mas negar-se a dizer o nome de sua esposa, me parece demais.
Duda (depois de cochichar com o seu advogado) - Essa é a orientação que recebi de meus advogados. Da outra vez, não obedeci a orientação deles e me ferrei.
Relator - O senhor se ferrou como?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Relator - Senhor presidente, dou por encerrado o meu inútil interrogatório.
Presidente - Com a palavra o deputado Ambrósio.
Deputado - Senhor Duda Mendonça, em seu primeiro depoimento, o senhor mentiu a esta comissão quando disse que tinha apenas uma conta no exterior. Admite que tem mais de uma conta no exterior?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Deputado - Senhor Duda, V.S. não acha que, negando-se a responder a toda e qualquer pergunta, está dando uma demonstração pública de culpa?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Deputado - Senhor presidente, não vejo razão para se continuar com este depoimento já que o depoente não depõe.
Presidente - O depoimento terá que continuar, quer ele responda ou não. (A Duda) Senhor depoente, podia pelo menos responder a perguntas que não o comprometam. É impossível que todas o incriminem.
Duda - Como não sou advogado, não posso avaliar se a pergunta me compromete ou não.
Presidente - Mas o senhor não é débil mental, ou é?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Presidente - Com a palavra o deputado Jacinto.
Deputado - Senhor Duda, o senhor está cometendo crime de obstrução da Justiça. Pode responder por isso mais tarde.
Duda - Estou protegido pelo Supremo Tribunal Federal.
Deputado - Senhor presidente, temos de reconhecer que essas decisões do Supremo concedendo aos depoentes o direito de não responder às perguntas anulam a ação do Congresso para esclarecer a verdade. A que ponto chegamos!
Senadora - Aqui no Congresso, como no Supremo, existem pessoas desonestas e de mau caráter. Acato as decisões do Supremo, mas nem sempre as respeito, já que muitas delas não merecem ser respeitadas.
Presidente - Com a palavra o deputado Buriti.
Deputado - Senhor Duda Mendonça, o senhor, que gosta tanto de briga de galo, parece que hoje está fugindo da rinha. Como é mesmo que se chama o galo que foge da rinha?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Deputado - E um copo d'água? Aceita um copo d'água?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Deputado - Então aceita um cafezinho?
Duda - Lamento, mas não vou responder.
Deputado - Ia perguntar se o senhor gosta de pizza, mas já sei que não vai responder.
Foi então que pensei: no caso de Duda Mendonça, que não queria dizer a verdade, o Supremo lhe concedeu uma liminar para que se calasse; em seguida, no caso do Nildo, o caseiro que queria dizer a verdade, o Supremo concedeu uma liminar para calá-lo.
Se alguém me perguntar o que penso disso, lamento, mas acho desnecessário responder.

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