Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 29, 2006

Celso Ming - O rei solitário

Celso Ming - O rei solitário
O Estado de S. Paulo
29/3/2006

Quando o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que nada muda na política econômica, como isso deve ser entendido?

Pelo menos metade do segundo escalão do Ministério da Fazenda está de saída. E é gente, como o secretário-executivo Murilo Portugal, que o mercado considerava essencial para manter a política econômica que vem dando certo. Como será mantida essa política se a velha guarda for substituída por quem pensa de maneira diferente e defende outras prioridades?

Ainda assim, não há por que duvidar da sinceridade de Mantega. A questão está em saber se, ao longo de uma estressante campanha eleitoral, quando a caldeira estiver submetida a todo tipo de pressão, especialmente ao fogo amigo, o novo ministro conseguirá impor seu jogo.

Mantega integrou o governo primeiramente como ministro do Planejamento e depois como presidente do BNDES. Nesse tempo, nunca foi chamado à Távola Redonda do rei Lula. Nunca foi figura de proa no partido. Dificilmente será outro Palocci.

Sua principal característica é a capacidade de se amoldar ao que pede o chefe. O problema é que o presidente Lula precisa de alguém que seja bem mais do que um subordinado obediente.

Lula é um rei cada vez mais solitário. Perdeu quase todos os companheiros que tinham certa experiência em administração pública. Perdeu Zé Dirceu, Cristóvam Buarque, José Genoino e acaba de perder Antonio Palocci e Jorge Mattoso. Luiz Gushiken é um exilado dentro do Planalto; Tarso Genro ficou falando sozinho; o senador Suplicy não diz coisa com coisa e alardeia independência; o senador Mercadante faz mais pose do que gestos eficazes; o ministro Paulo Bernardo parece preterido; Henrique Meirelles não tem ascendência no PT; o ministro Jaques Wagner sai do governo para garimpar votos junto ao eleitorado; Ciro Gomes, idem.

O governo Lula, que padecia de falta de densidade, ficou mais rarefeito. A figura mais forte, depois de Lula, é a ministra Dilma Rousseff, que não tem compromisso com a ortodoxia econômica nem queda para a coordenação política. Os erros primários na condução da crise e o pastelão trágico desempenhado por Palocci e Mattoso provam isso.

O PT continua vítima do maquiavelismo primário que se abateu sobre certas esquerdas. Seus próceres acreditam que, se for para o bem da classe trabalhadora, não tem importância resvalar provisoriamente para coisas sujas. "Nasce a estranha figura do corrupto por tempo determinado", denunciou o filósofo José Arthur Giannotti em entrevista ao caderno Aliás, deste jornal, em 19 de junho de 2005.

O PT recrutou professores de corrupção entre os agentes ligados a empreiteiras de lixo e empresas de transporte municipal. O resultado disso é o exercício tosco da coisa, que larga digitais por onde passa e desestabiliza a administração pública.

O presidente Lula precisa de alguém que aponte caminhos e o ajude a resistir a pressões, como Palocci fazia com perfeição. E Mantega não tem esse perfil.

Para ganhar credibilidade, quem passou os três últimos anos atacando a política econômica conduzida por Palocci, tem de fazer mais do que declarar que a política econômica não muda. Confiança não cai do céu; conquista-se na luta diária.

Mantega tem a seu favor um curriculum de defesa da responsabilidade fiscal e da autonomia do Banco Central, mas a notória hostilidade à linha política comandada por Palocci não ajuda.

Se contasse com Palocci, Lula não precisaria de avalista para a proposta de política econômica para um segundo mandato. Mas Mantega não parece em condições de desempenhar essa função. Isso sugere que, em breve, Lula precise editar uma nova Carta ao Povo Brasileiro.

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