O Estado de S. Paulo |
28/3/2006 |
Ao tentar resistir aos fatos e proteger Palocci, Lula fez do ex-ministro um réu A saída do ministro da Fazenda nessa altura da confusão político-institucional tornou-se quase um detalhe. Era urgente só no sentido de aplacar as incertezas do mercado financeiro e denotar a existência de governo no Brasil. Mas, do ponto de vista político, tornou-se um pressuposto básico, o mínimo indispensável para o presidente da República conseguir manter o pescoço no limite da linha de transbordamento do lodaçal que criou para si ao fornecer ao País a prova cabal de que sua noção de Estado é a mesma aplicada ao partido, sem distinção alguma entre o caráter público de um e a natureza (de direito) privada de outro. Antonio Palocci caiu não por obra de dificuldades políticas criadas pela oposição, mas pelos desdobramentos de uma ofensiva do aparelho de Estado usado como instrumento privado de defesa numa operação cuja cabeça da cadeia de comando aponta para o seu gabinete. Por isso mesmo, a demissão (ou o nome que tenha) do ministro nem de longe põe fim à questão aberta com a quebra do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa. Esta não guarda relação com a política econômica nem com as atividades do Ministério da Fazenda. A saída de Palocci teria o condão de aplacar a crise se tivesse ocorrido lá atrás, quando ficou claro que ele mentiu ao Congresso. Agora, o que se tem à vista é um caso de polícia com conotações institucionais por implicar agressão à Constituição. As suspeitas e evidências de que para o PT governar é aparelhar - surgidas ainda nos primeiros meses da gestão Luiz Inácio da Silva - transformaram-se em fatos inquestionáveis desde que o sigilo bancário de uma testemunha de acusação ao ministro Antonio Palocci foi violado com o propósito de se travestir em mais uma daquelas reportagens do jornalismo de dossiê, muito em voga nos anos 90 e recentemente já em franca decadência, pois a sociedade começou a exigir da informação ao menos indícios de veracidade. Agora, mais do que da demissão de um ministro ou de um presidente de estatal, trata-se de esmiuçar os meandros do aparelhamento - antigamente denominado loteamento - que, se não foi inventado pelo PT, foi por ele aprofundado a um ponto de ousadia jamais visto. Poder-se-ia dizer que nem o regime autoritário atreveu-se a tanto, mas, embora seja um raciocínio verossímil, não há como comprovar-se verdadeiro, pois no autoritarismo não havia imprensa livre para divulgar as barbaridades, apresentá-las ao julgamento do público e registrá-las para a posteridade. Muito possivelmente entre a década dos 60 e meados dos 80 ocorreram episódios semelhantes, talvez até piores, mas ficarão sob a proteção da História nebulosa daquele período. Deveriam ter servido como lição e antídoto a tentações totalitárias, controladoras de ações e pensamentos. Diante do quadro atual, vale uma olhada em retrospectiva no primeiro ano de governo Lula quando, aproveitando a onda do entusiasmo geral, a lógica do aparelho deu-se a conhecer nas já notórias tentativas de "regulamentar, fiscalizar e controlar" a cultura e a informação sob o pretexto de atender aos interesses sociais. A grita dos veículos de comunicação e entidades referidas nos preceitos democráticos foi determinante para o recuo do governo. Mas, à época, não foram poucas as reações contrárias, nem se diga de gente comprometida com aquele tipo de idéia, mas de cidadãos comuns mesmo. Argumentavam que era necessário "organizar" a liberdade de expressão, a fim de proteger o direito individual e universal à privacidade. Hoje os que defendiam de boa-fé tal linha de raciocínio queira o bom senso estejam percebendo a importância de não se adjetivar, qualificar, muito menos restringir a liberdade. Tivéssemos aceitado como natural o controle da imprensa por um conselho sindical ligado ao Estado, talvez não estivéssemos agora diante de tanta clareza informativa e a sociedade não poderia, por ela mesma, julgar tanto os atos do governo - desde a quebra do sigilo até as canhestras manobras para proteger os responsáveis de produzir bodes expiatórios - quanto as atitudes da imprensa em geral e da revista Época em particular que, mesmo tendo conhecimento da origem do dinheiro na conta do caseiro, publicou a história dos depósitos sob a ótica da suspeição. Dessa forma, se expôs à conclusão de que privilegiou o interesse de quem lhe passou a "informação" em detrimento do direito coletivo à correta informação. Absteve-se do dever de aplicar seu próprio discernimento ao material que tinha nas mãos, pois, se tivesse adotado algum critério que não o do afã de publicar uma reportagem supostamente sensacional, passível até de concorrer a premiações, teria notado que servia de instrumento à consecução de um crime, cujos autores buscavam se escudar exatamente no princípio da liberdade que um dia tentaram controlar.
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Entrevista:O Estado inteligente
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