FOLHA
Entrevistado no último "Manhattan Connection", FHC declarou-se preocupado com a aparente "anestesia" da sociedade diante da violação do sigilo bancário de Francenildo Costa. O que ocorreu não tem precedente desde a ditadura militar: um crime de Estado para romper ilegalmente o sigilo bancário de uma testemunha, com a finalidade de desmoralizá-la, seguido pela conversão da testemunha em investigado, a fim de coagi-la. Há fortes indícios de que Lula tenha acompanhado, desde o princípio, o complô criminoso. Isso tipifica, em estágio embrionário, um Estado policial.
O crime de Estado não é um raio no céu limpo. Na CPI dos Bingos, o senador Eduardo Suplicy (sim: o santo em pessoa!) liderou a carga de artilharia petista contra o delegado Benedito Valencise, que conduz o inquérito sobre a corrupção na gestão de Antonio Palocci em Ribeirão Preto, tentando desqualificá-lo por meio de referências a denúncias de torturas contra presos comuns. O nome disso é chantagem: a sugestão de trocar o próprio silêncio pelo silêncio do outro.
FHC tem razão. A recuperação de Lula nas pesquisas de intenção de voto anteriores ao "caso Francenildo" revelou que o governo e o PT venceram a batalha das narrativas, convencendo parte significativa da opinião pública de que todos são igualmente corruptos, um passo ousado na direção de redefinir o Brasil como uma nação corrupta. Mas a culpa pela "anestesia", de quem é? Dos cidadãos, eles mesmos?
Não existia "anestesia" nas semanas seguintes ao depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios. Mas, naquela conjuntura, de repulsa e estupor, a oposição se recusou a pedir o impeachment de Lula, optando pela estratégia de sangrar o presidente até a hora do voto. A sociedade interpretou a opção como uma chicana entre corruptos, acatando a narrativa elaborada no Palácio do Planalto.
Indagado sobre o tema, FHC argumentou que a provável rejeição de um pedido de impeachment ofereceria um atestado de inocência ao presidente. O raciocínio descortina perigosa incompreensão da natureza do governo Lula.
O fundamento do poder de Lula é a desmoralização das instituições da República. A aquisição em massa de parlamentares por meios pecuniários destruiu a legitimidade do Congresso, propiciando a farra das absolvições de "mensaleiros" em plenário. A consagração da política de conveniência e a troca despudorada de favores contaminaram o STF e o STJ, convertendo seus presidentes, Nelson Jobim e Edson Vidigal, em serviçais togados do Executivo. A autonomia e o equilíbrio dos poderes não são compatíveis com o presidente que interpreta a nação e a si mesmo pelas metáforas patrimoniais da família e do pai.
Há seis meses, um pedido suprapartidário de impeachment liberaria o grito de indignação dos cidadãos. A sua eventual rejeição pelo Congresso não inocentaria o presidente, mas condenaria os parlamentares vendidos ao poder de turno. Nessa hipótese, a remoção da quadrilha que ocupa o Planalto se tornaria uma tarefa cívica nacional, a ser cumprida nas urnas. Algo equivalente à campanha das Diretas Já ou ao clamor pelo impeachment de Collor.
"Cada nação tem o governo que merece". A proposição, quase tão velha quanto a política, é uma homenagem que o senso comum presta aos poderosos.
O Brasil não merece o seu governo. Nem a sua oposição.
O crime de Estado não é um raio no céu limpo. Na CPI dos Bingos, o senador Eduardo Suplicy (sim: o santo em pessoa!) liderou a carga de artilharia petista contra o delegado Benedito Valencise, que conduz o inquérito sobre a corrupção na gestão de Antonio Palocci em Ribeirão Preto, tentando desqualificá-lo por meio de referências a denúncias de torturas contra presos comuns. O nome disso é chantagem: a sugestão de trocar o próprio silêncio pelo silêncio do outro.
FHC tem razão. A recuperação de Lula nas pesquisas de intenção de voto anteriores ao "caso Francenildo" revelou que o governo e o PT venceram a batalha das narrativas, convencendo parte significativa da opinião pública de que todos são igualmente corruptos, um passo ousado na direção de redefinir o Brasil como uma nação corrupta. Mas a culpa pela "anestesia", de quem é? Dos cidadãos, eles mesmos?
Não existia "anestesia" nas semanas seguintes ao depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios. Mas, naquela conjuntura, de repulsa e estupor, a oposição se recusou a pedir o impeachment de Lula, optando pela estratégia de sangrar o presidente até a hora do voto. A sociedade interpretou a opção como uma chicana entre corruptos, acatando a narrativa elaborada no Palácio do Planalto.
Indagado sobre o tema, FHC argumentou que a provável rejeição de um pedido de impeachment ofereceria um atestado de inocência ao presidente. O raciocínio descortina perigosa incompreensão da natureza do governo Lula.
O fundamento do poder de Lula é a desmoralização das instituições da República. A aquisição em massa de parlamentares por meios pecuniários destruiu a legitimidade do Congresso, propiciando a farra das absolvições de "mensaleiros" em plenário. A consagração da política de conveniência e a troca despudorada de favores contaminaram o STF e o STJ, convertendo seus presidentes, Nelson Jobim e Edson Vidigal, em serviçais togados do Executivo. A autonomia e o equilíbrio dos poderes não são compatíveis com o presidente que interpreta a nação e a si mesmo pelas metáforas patrimoniais da família e do pai.
Há seis meses, um pedido suprapartidário de impeachment liberaria o grito de indignação dos cidadãos. A sua eventual rejeição pelo Congresso não inocentaria o presidente, mas condenaria os parlamentares vendidos ao poder de turno. Nessa hipótese, a remoção da quadrilha que ocupa o Planalto se tornaria uma tarefa cívica nacional, a ser cumprida nas urnas. Algo equivalente à campanha das Diretas Já ou ao clamor pelo impeachment de Collor.
"Cada nação tem o governo que merece". A proposição, quase tão velha quanto a política, é uma homenagem que o senso comum presta aos poderosos.
O Brasil não merece o seu governo. Nem a sua oposição.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br