Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 28, 2006

LUÍS NASSIFLUÍS NASSIF Um mestre do mimetismo

FOLHA
Durante três anos e alguns meses, Antonio Palocci viveu um papel que nada tinha a ver com sua história: o de ministro da Fazenda. E foi um ator fantástico, transmitindo tranqüilidade e segurança, mesmo quando não conseguia transmitir sabedoria. Tornou-se um expoente do mimetismo cabeça-de-planilha, incorporando rapidamente todos os clichês e lugares-comuns que sustentam esse discurso.
Ajudou a dar sobrevida e sustentação a uma política implacável de concentração de renda, de aumento do endividamento público e de gestão de despesa na boca do caixa. Com sua falta de preparo, conseguiu prejudicar até a ortodoxia racional do Tesouro, atropelada pelo primarismo obcecado do Banco Central.
Mas, durante algum tempo, viveu o papel de Vitório De Sicca, no clássico "De Crápula a Herói". Sua turma da vida toda eram os Poletto, os Buratti, e outros clássicos da malandragem política do interior. No entanto, por três anos e meio foi tratado como uma figura reverencial. E, a bem da verdade, interpretou magnificamente seu papel, respeitando o cargo.
Na sua gestão, foram contingenciados fundos destinados à pesquisa e inovação, à inclusão digital, à saúde, à infra-estrutura, tornando a execução orçamentária um barco à deriva, sem nenhuma forma de planejamento, nem sequer das verbas descontigenciadas.
Mais que isso: quando permitiu a apreciação do câmbio, a partir de abril de 2003, jogou fora a grande oportunidade que a história concedeu a Lula. Mas era saudado como o avalista da solvência das contas públicas, o homem que conseguia esse milagre de proporcionar a maior remuneração do mundo aos rentistas e segurar a explosão da dívida com seus superávits meia-boca, mesmo sem conseguir avançar um milímetro na gestão racional das despesas públicas.
Enquanto ministro do Planejamento e, depois, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Guido Mantega exercitou um contraponto tímido às posições planilheiras de Palocci e seu grupo, muito em razão de seu temperamento retraído.
É possível que, com ele e sua equipe, haja uma maior coordenação de esforços entre a Receita, BC e Tesouro. Não muito mais do que isso. O mercado já havia precificado a queda de Palocci, pensando na substituição por alguém ortodoxo, como Murilo Portugal. A entrada de Mantega produzirá a atorda com que o mercado reage a indefinições. Para baixar a poeira, a única saída será manter a ortodoxia. De um lado, para não produzir marolas nas eleições. De outro, porque não haverá tempo hábil, nesse governo Lula, para mudanças mais substanciais na política econômica -que exigem segurança técnica e, especialmente, garantia de continuidade.
Quando Lula ressuscitou nas pesquisas, Palocci morreu, porque passou a ser visto como o último obstáculo para a derrocada do presidente. E, aí, sua face ribeiro-pretana se impôs sobre a figura reverencial artificialmente criada.
Espera-se apenas que a saída de Palocci, um mestre não na economia, mas na arte política do entendimento, não leve o governo Lula a uma posição de enfrentamento com os adversários.
 

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