O que terá acontecido com Palocci, sua turma, Dirceu, Delúbio, Duda, Lula e companhia bela
Janeiro de 2007. Ainda está para ser explicada a onda virtuosa que tomou conta do eleitorado, mas o fato é que nenhum dos deputados implicados no chamado escândalo do mensalão – nenhum! – conseguiu renovar o mandato, na eleição de outubro último. Para citar alguns poucos exemplos, os ex-deputados Wanderval Santos, Romeu Queiroz e Pedro Henry obtiveram, respectivamente, quinze, onze e dezoito votos, e o ex-deputado João Paulo Cunha, aquele cuja mulher foi pagar uma conta de TV a cabo e distraidamente acabou apanhando um cheque, só conseguiu um voto, presumivelmente o dele próprio – a mulher distraiu-se de novo e votou em outro. Igual insucesso conheceram os ex-deputados que renunciaram ao mandato para evitar a cassação, de Valdemar Costa Neto, o "Boy", a Carlos Rodrigues, o "bispo Rodrigues".
A decisão do eleitorado combina com o surto de comiseração, de purgação, de piedade e até de fervor religioso que contaminou o meio político. O ex-ministro Antonio Palocci, como se sabe, é agora "o irmão Antonio". Entrou para a ordem dos franciscanos e foi viver em Monte Santo, lá no coração místico do sertão baiano, onde sua devoção, seu despojamento, sua renúncia aos prazeres e sua generosidade lhe valem crescente aura de santidade. A turma de fiéis seguidores de Ribeirão Preto, aquela mesma que o assessorou desde os tempos em que era prefeito nessa cidade, alugou uma casa, na região, para ficar perto do líder. O ex-ministro costuma visitar a casa, para rezar o rosário junto com os antigos colaboradores e prestar-lhes orientação espiritual. Isso já se sabia, mas sempre correu o rumor de que algo mais ocorreria por ocasião dessas visitas. Pois ocorria mesmo. Uma recente indiscrição do caseiro tornou público que exercícios coletivos de autoflagelação, como ajoelhar no milho ou infligir chibatadas no próprio dorso, costumam ter lugar ali. Mulher não entra na casa.
Marcos Valério, o antigo mago na arte de fazer brotar dinheiro nas mãos dos políticos, foi à televisão e confessou tudo. Por fora, era a mesma figura de cabeça raspada e lustrosa, tão familiar aos brasileiros, mas por dentro era outro homem – arrependido e ansioso por mudar de rumo na vida. Felizmente não o abandonou o antigo espírito empreendedor, de tal sorte que se aproveitou da marca "Valerioduto" e registrou-a como nome de uma sociedade de benemerência destinada a alertar contra os males da propina, do achaque, do caixa dois e do assalto aos cofres públicos. "Valerioduto, transporte para um novo Brasil" é o slogan da instituição, que tem uma de suas mais abnegadas voluntárias na pessoa de Jeany Mary Corner, também ela contemplada pela graça da regeneração, e que utiliza as amplas conexões com o mundo político e empresarial angariadas ao tempo em que coordenava uma rede de recepcionistas na capital federal para fazer chegar aos endereços certos a mensagem do novo e honrado Valerioduto.
O ex-ministro José Dirceu tomou gosto pelo Caminho de Santiago. Sua primeira experiência nessa empreitada, todos devem se lembrar, foi no réveillon do ano passado, quando fez o trajeto na companhia do amigo Paulo Coelho. Dizer que ele repetiu outras vezes a piedosa caminhada não exprime o que verdadeiramente aconteceu. O que aconteceu, para espanto geral, é que ele se tornou um permanente caminheiro de Santiago. Está sempre indo de lá para cá, num moto-perpétuo jamais visto, em tempo algum. Dizem que está muito magro e nem sempre com boa aparência, apesar dos cuidados de um colaborador (Waldomiro Diniz, segundo alguns) que se encarrega de providenciar-lhe do que comer, do que beber e do que vestir. Mas está feliz.
Delúbio Soares comanda na televisão o programa Acerte a Contabilidade. A cada dia entrevista um político ou empresário que confessa ter lançado mão de recursos não contabilizados e o ajuda a passar-se para o lado da lei e do bem. Duda Mendonça escreveu um livro, A Arte de Contar Mentiras, em que, ao revelar os truques de uma vida destinada à mistificação, ensina os leitores a identificá-los e a não cair neles. O Professor Luizinho voltou a dar aulas de matemática em Santo André. Os números que utiliza, modestos e morigerados, nunca passam de 20.000. O assessor do irmão de José Genoíno virou budista e foi viver no Tibete, enrolado numa túnica sob a qual será sempre impossível esconder qualquer coisa, quanto mais dinheiro.
E Lula? Bem, Lula... foi reeleito presidente da República. Salvaram-no sua capacidade de liderar, sua identificação com o povo brasileiro, a mística de sua história. É um outro Lula, porém, não só sem Dirceu, sem Palocci, sem Duda e sem Delúbio, como também menos deslumbrado com o cargo, menos festeiro, mais consciente de seus deveres e suas responsabilidades. Chamou José Serra para primeiro-ministro, cargo que – descobriu-se – nem precisava de reforma constitucional para ser instituído, podia ser criado como qualquer outro cargo de ministro. PT e PSDB governarão em coligação.