Editorial |
O Estado de S. Paulo |
28/3/2006 |
Questionada pela reportagem, a mulher respondeu na bucha, com raiva: "A gente não come eucalipto." Estava assim justificada a destruição do laboratório de mudas da Aracruz Celulose, no pampa gaúcho. Uma barbaridade. A frase sobre o eucalipto faz lembrar Stanislaw Ponte Preta. Quando o cronista carioca lançou, em 1966, seu conhecido Febeapá, resumiu numa palavra o festival de besteiras que assolava o País. Era uma reação cômica, irreverente, à mediocridade política da época. O MST anda castigando a Nação com acontecimentos polêmicos. Escangalha o viveiro florestal e depois, ao justificar sua ação, prima pela bobagem ideológica: "Tem que invadir mesmo, danem-se as leis da burguesia." O palavreado esquisito sai da boca do arrogante líder. Para completar, a militante da Via Campesina dá o troco à pesquisadora dos vegetais que, entristecida, reclamava do trabalho científico de seis anos perdido: "Bem feito, quem mandou se vender ao grande capital?" Realmente, parece um festival de asneiras. O MST e seus filhotes imaginam que, combatendo o eucalipto e, genericamente, os agronegócios, se colocam a favor do interesse popular. O raciocínio é reacionário e imbecil. É bem verdade que não se come eucalipto. O máximo de alimento que tal árvore provê é um mel de excelente qualidade, tido como de propriedades medicinais. São as abelhas, porém, que o fabricam, a partir de sua florada. Quem adora folhas de eucalipto, essas, sim, são as formigas saúvas. Seguindo o raciocínio das mascaradas camponesas, poderia o MST orientar suas afiliadas a também vociferar contra as plantações de algodão. Afinal, afora as traças do armário, ninguém come tecido. Nem calças jeans. Tampouco pneus, camisinhas e tantos usos do látex natural, derivado da seringueira. Estará condenada, também? Da rústica mamona, em moda nestes tempos de biodiesel, se extrai o óleo de rícino, ministrado antigamente a pessoas com prisão de ventre. Engolir, engolia-se, mas alimento, definitivamente, não é! O critério da comida se mostra, claramente, inadequado para decidir sobre a importância da atividade rural. É simplesmente ridículo estabelecer essa hierarquia na produção agrícola. Afinal, alimentos ou não, todas as atividades servem ao homem, melhoram sua qualidade de vida. Importante mesmo, especialmente no mundo de hoje, é a geração de empregos e renda para as pessoas. No passado medieval, as famílias dependiam da própria subsistência, o autoconsumo. Com a urbanização, surgiu o comércio de alimentos. Chegou a especialização. Os trabalhadores da cidade, e até mesmo os rurais, com dinheiro no bolso, guarnecem sua mesa. Fica fácil demonstrar, assim, que é o nível de salários, e não a produção, a variável econômica mais importante para analisar o abastecimento popular. Até Malthus concordaria com a tese. Buda dizia que a ignorância, ao lado da cobiça e da ira, é fonte do sofrimento humano. Será que a turma do MST desconhece esses conceitos básicos da economia? Será que, realmente, não sabem que da pasta de celulose sai o caderno escolar de seus filhos? Ninguém come eucalipto! Isso é certo. Nem o pinheiro. Mas, se não fossem as florestas plantadas, não haveria livros, jornais, caixas de papelão, papel higiênico, guardanapos, todos produtos derivados da celulose. Da madeira se fabricam móveis, compensados, telhados. Graças ao carvão do eucalipto, um bocado de matas nativas é economizado no forno das padarias. O pão nosso de cada dia, tanto quanto a pizza, depende da madeira cultivada. Milhares de empregos são gerados na cadeia produtiva da silvicultura. Apenas as empresas de papel e celulose ocupam 100 mil trabalhadores. Sem esses empregos, poderiam estar passando fome. Por que amaldiçoar o eucalipto? A Via Campesina, mancomunada com ambientalistas de araque, tacha as florestas plantadas de "deserto verde". Um absurdo. Desmatar floresta nativa para plantar eucalipto ou pínus, como se fez na época dos incentivos fiscais, significa crime ecológico. Mas substituir pastagens degradadas por florestas plantadas, como se procede no pampa gaúcho ou no sul da Bahia, gera riqueza ambiental. Pesquisas científicas mostram ganhos de biodiversidade nas florestas plantadas. Basta acessar os estudos do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (Ipef), ligado à Esalq-USP, em Piracicaba. Ou mesmo o Projeto Microbacia, promovido pela Aracruz Celulose, sob supervisão da academia universitária. A mídia destacou o vandalismo quase incompreensível das últimas ações do MST. Todos os articulistas, gente fora da agropecuária, o condenaram fortemente. Pudera! Aquelas cenas chocaram a democracia. Pior, destruir laboratórios significa obscurantismo. Essa Via Campesina, versão globalizada do MST, é reacionária, defende idéias atrasadas. O MST especializa-se na técnica da dissimulação. Rouba os conceitos da ecologia e se utiliza de causas nobres para enganar a opinião pública, construindo embustes. E, à la Goebbels, repete, repete seus slogans até que a mentira se torne verdade. Assim, amaldiçoam a silvicultura e os agronegócios em geral. Chutam a biotecnologia e defendem, idilicamente, a auto-suficiência alimentar. Seu modelo de agricultura é o campesinato medieval. Machuca o bom senso, vira uma chatice. Essa mistura de delinqüência com ilusão, no fundo, ocorre patrocinada pelo Estado. Os (falsos) revolucionários, após suas estripulias, certamente festejam, para comemorar seu destaque na mídia. À moda do PT, dançam impunemente. Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98). E-mail: xico@xicograziano.com.br . Site: www.xicograziano.com.br
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