Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 29, 2006

DORA KRAMER Muito riso e pouco siso

O ESTADO DE S PAULO
 
Muito riso e pouco siso

Ou Lula se deixa enganar com extrema facilidade, ou engana com excessiva habilidade

Dora Kramer

A proposital indiferença aos fatos exibida pelo presidente Luiz Inácio da Silva em seu discurso na transmissão do cargo de ministro da Fazenda de Antonio Palocci para Guido Mantega não fugiu ao padrão de comportamento de Lula frente a todos os escândalos que atingiram seu governo.

Mais uma vez, recorreu ao truque de dar à realidade sua própria versão esperando, com isso, se distanciar do assunto em pauta: a confirmação, pelo presidente da Caixa Econômica Federal, de que os dados bancários de um cidadão, violados pelo aparelho de Estado, foram por ele entregues a um ministro cuja confiabilidade o presidente da República atestara até a véspera.

Depois de dias a fio defendendo Palocci contra todas as evidências, ontem Lula restringiu-se a referências leves a "dissabores" vividos "nesse momento" pelo "querido companheiro", de quem destacou o especial talento para imprimir "fineza política" aos debates econômicos sem nunca antes "ter escrevido" um só artigo sobre economia.

Quanto à transgressão constitucional cometida nas dependências da CEF, o presidente da República limitou-se a comunicar a ocorrência de "mudanças na Caixa", como se tivesse simples e inocentemente tomado a iniciativa de providenciar alterações administrativas na instituição.

Palavras de ligeireza incongruente com a sisudez que manteve no semblante durante todo o discurso de Palocci na cerimônia, incoerentes também com as versões "de bastidores" difundidas nos noticiários do dia sobre sua indignação e repulsa ante à "traição" do ministro da Fazenda.

Como disse o presidente Lula em um de seus pronunciamentos ao molde do ilusionismo objetivando resultados eleitorais, o problema da mentira é que é sempre necessário contar mais uma para dar veracidade à anterior.

Se realmente o presidente tivesse se surpreendido - e revoltado ao ponto de reagir com a demissão - com o fato de seu ministro da Fazenda ter tido acesso ao extrato bancário de Francenildo dos Santos Costa obtido de forma ilegal menos de 24 horas antes da divulgação, teria sido, no mínimo, mais formal no tratamento dado a ele na cerimônia do adeus.

Também teria dado ao País sinal mais firme de reprovação. Ao invés disso, foi todo carinhos e complacência, abrindo espaço para uma dúvida que só admite, como resposta, uma de duas hipóteses: ou a capacidade de Lula de se deixar enganar é quase infantil ou sua habilidade para enganar os outros é incompatível com a retidão de caráter indispensável a um presidente da República.

Intenção e gesto

A consternação dos petistas com o crime executado ao abrigo da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Fazenda não combina com o roteiro visto e ouvido nas últimas duas semanas: a comemoração pela divulgação das contas do caseiro, a tentativa de transferir a ele a suspeição, a ofensiva para dar ao episódio a conotação do "vazamento de informações", a postergação das investigações e os ensaios de apresentação de bodes expiatórios.

Diante disso tudo, a impressão que dá é que, para o PT e o governo, o problema não foi o ato lesivo da quebra de sigilo, mas o fracasso da operação para desmoralizar a testemunha contra Antonio Palocci.

Se vigilância sobre esse tipo de ação não estivesse tão estreita, talvez Jorge Mattoso tivesse optado pela trilha do silêncio adotada por Delúbio Soares e o desfecho dessa história seria outro.

Linha direta

Sem equipe, com o partido em frangalhos e os antigos aliados de outros partidos absolutamente ressabiados, ao candidato Luiz Inácio da Silva, tudo indica, resta prosseguir no caminho de buscar sustentação popular sem intermediários.

Resta saber qual a parcela da opinião pública que lhe dará guarida. Aquela beneficiada pelos programas assistenciais não prima pela firmeza de posições e pode perfeitamente ceder a promessas populistas de outros candidatos.

O outro setor, mais sensível aos efeitos de escândalos e de malfeitorias em geral, já dava sinais de que, a depender da alternativa apresentada pela oposição, não estaria disponível para repetir o voto no PT.

Isso não significa dizer, entretanto, que o governo seja força desprezível na eleição. Quem tem a máquina, e a usa sem constrangimentos, tem meio caminho andado.

Mas o novo marqueteiro do presidente terá uma tarefa dura pela frente: fornecer a Lula um discurso capaz de convencer as pessoas de que o presidente nunca soube de nada o que se passava em seu governo e, ao mesmo tempo, levar essas pessoas - ou a maior parte delas - a dar mais quatro anos para que ele leve outro mandato ignorando o que acontece no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e nas empresas estatais.

A conferir

Especialistas em PMDB andam jurando sobre a Bíblia que Anthony Garotinho será candidato ao Senado e fechará aliança com os tucanos no Rio de Janeiro.

E-mail: dkramer@estadao.com.br

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