EDITORIAL |
O Globo |
28/3/2006 |
Nas vezes em que foi atingido por denúncias vindas de ex-assessores dos tempos da prefeitura de Ribeirão Preto, o ministro Antonio Palocci conseguiu preservar a credibilidade em pronunciamentos serenos e articulados. Assim ocorreu quando o seu ex-secretário Rogério Buratti o acusou de envolver-se na arrecadação de dinheiro ilegal para o PT. Palocci, sob o impacto da primeira denúncia, concedeu uma entrevista coletiva no momento certo, num domingo, e posteriormente compareceu em duas ocasiões ao Congresso para prestar esclarecimentos sobre sua suposta participação nessa espécie de valerioduto interiorano. Tudo parecia sob o controle do ministro e do governo, quando surgiu a história da casa do Lago Sul, em Brasília, alugada pelo grupo de amigos de Ribeirão. Os rumores sobre a mansão coincidiram com o aguçamento da campanha eleitoral, deflagrada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e acelerada pelos tucanos, com a escolha do candidato Geraldo Alckmin. E, com isso, Palocci perderia a proteção que PSDB e PFL lhe davam. A entrevista do caseiro Francenildo dos Santos Costa e seu curto depoimento no Congresso sobre hipotéticas visitas do ministro à casa do Lago — sempre negadas por Palocci — também poderiam ter sido absorvidos não fosse a desastrada e criminosa ação de um aparelho montado dentro da Caixa Econômica Federal. A quebra ilegal do sigilo bancário de Francenildo atingiu Palocci, por ser a CEF subordinada ao Ministério da Fazenda. Comentários de que o extrato da conta de Francenildo circulou entre assessores do ministro antes de ser divulgado pelo blog da revista "Época" fragilizaram ainda mais a posição de Palocci. O balanço de lucros e perdas para o governo, caso Palocci fosse mantido, passaria a ser negativo. Na sexta-feira, em São Paulo, perante a Câmara Americana de Comércio, Palocci fugiu do texto escrito e fez mais um dos seus serenos discursos, porém em tom de despedida. Disse ver-se em um dos círculos do Inferno de Dante; reclamou, com razão, de ter a privacidade invadida; e ressaltou, também de forma correta, o fato de a economia começar a voar em "céu de brigadeiro" enquanto o ministro da Fazenda estava no centro de uma crise. "Isso é possível porque a economia e as instituições brasileiras começam a ganhar uma maturidade que eu penso ser definitiva." A frase serve para dar a dimensão da responsabilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na substituição de Palocci por Guido Mantega. É nada desprezível a herança deixada por um ministro que se notabilizou pela habilidade em transitar por terrenos minados de interesses conflitantes, sem jamais perder de vista os objetivos essenciais da política econômica. Por um momento, quando eclodiu a crise do valerioduto, e outro personagem forte do governo, José Dirceu, perdeu o chão, numa crise que se aproximou de forma perigosa do presidente Lula, Antonio Palocci tornou-se o próprio governo, um sinônimo de estabilidade. Ainda no período de campanha, ele entendeu o quanto seria desastroso se a política econômica do governo do PT se guiasse pelas teses heterodoxas de frações do partido contrárias à responsabilidade fiscal, lenientes com a inflação e defensoras do avanço do Estado sobre a economia. A realidade demonstraria que Palocci estava certo. O risco-país, catapultado às nuvens pela desconfiança dos mercados no governo Lula, caiu de 2.400 pontos (ou 24 pontos percentuais sobre a taxa de juros de mercado), nos empréstimos ao Estado e empresas brasileiras, para pouco mais de 200 pontos; o rigor da política monetária dobrou a espinha de uma inflação que, anualizada, chegava aos dois dígitos; as contas externas, revigoradas pelas exportações, mudaram de sinal e passaram a gerar superávits nunca vistos. Por isso o país pôde antecipar o pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional e praticamente neutralizar, com as reservas, o débito externo do setor público, um fato histórico. E no momento, tudo indica, a economia acelera o passo sem pressões inflacionárias, com a taxa de juros, ainda alta, mas aproximando-se do nível mais baixo desde o lançamento do Real. Esta incomparável herança poderá ser destruída se o presidente permitir que com a saída de Palocci aqueles setores do PT e do seu governo contrários ao bom senso na administração macroeconômica avancem mais do que já avançaram. O presidente precisa evitar a armadilha a ser preparada por quem entender que, com o novo ministro da Fazenda, passará a vigorar o vale-tudo fiscal — idéia que costuma cativar político em época de campanha eleitoral. Lula deve saber que é essencial manter a acumulação de superávits primários, preservar a flutuação cambial, a liberdade do Banco Central e não abrir mão das metas de inflação, que ajudam a balizar os formadores de preço, junto com a política monetária. Por um desses paradoxos, o até mesmo surpreendente êxito do médico Antonio Palocci no Ministério da Fazenda em certa medida facilita a sua saída do cargo. O novo ministro encontra a economia com fundamentos estabilizados. Mas tudo ainda está em equilíbrio precário, os gastos públicos correntes continuam indomáveis, a crescer num ritmo acima da geração de renda pela sociedade. O futuro vai depender da retomada das reformas no início do próximo governo e do entendimento dos governantes de que o mundo passa por um raro ciclo de crescimento sincronizado e que, como todo ciclo, se esgotará um dia. E o Brasil ainda tem muito a fazer para reduzir as vulnerabilidades a perturbações internacionais. Mais do que nunca, tudo está nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva. |
Entrevista:O Estado inteligente
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