"FHC acha que pode dar jeito no Brasil; eu tenho certeza"
Desde 2002, Serra alimentava a esperança de tentar de novo a Presidência
Quando amigos, numa roda de conversa, lhe perguntaram quem era mais megalômano, ele ou Fernando Henrique Cardoso, seu alter ego na política e na vida, José Serra respondeu de bate-pronto: "Fernando Henrique acha que pode dar jeito no Brasil; eu tenho certeza." Foi com essa certeza e uma obsessão nascida na juventude que ele concorreu à Presidência contra Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Perdeu. De lá para cá, Serra alimentou todos os dias a expectativa de ganhar uma nova chance.
No meio do caminho, foi empurrado pelo PSDB inteiro para disputar a Prefeitura de São Paulo. "No sacrifício", como se diz na política, ele foi e ganhou. Agora, achava-se no direito de ganhar novamente a indicação presidencial para compensar o sacrifício e porque, até recentemente, continuava a ser o nome tucano mais competitivo contra o carisma de Lula.
Em 2002, Serra foi listado como candidato à direita de Lula. Mas, além de ter sido o último presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), de tradicional alinhamento à esquerda, antes do golpe de 1964, Serra é o único político em atividade que discursou no incendiário comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, que ajudou a deflagrar o golpe militar.
Filiado a um dos mais radicais grupos de enfrentamento da ditadura militar, a Ação Popular (AP), Serra voltou ao Brasil em plena ditadura, em 1965, para tentar reorganizá-la, sendo abrigado em São Paulo pela atriz Beatriz Segall, sua amiga até hoje. Por último, em setembro de 1973, foi preso no Chile e levado para o Estádio Nacional, onde dezenas de militantes foram fuzilados.
Foi retirado do Estádio Nacional, em Santiago, por gestões da embaixada italiana, e foi fazer doutorado na Cornell University, já na área de economia, abandonando a engenharia, que cursara em São Paulo. O exílio, contam os amigos, não lhe deixou amargor; nele aprendeu a se expressar em várias línguas e ganhou uma ampla dimensão de mundo, reconhecem as pessoas próximas.
Apesar das acusações inevitáveis, seus adversários alinham qualidades que o transformam num adversário duro de enfrentar: tem uma sólida formação intelectual, uma memória prodigiosa, argumenta bem, defende encarniçadamente suas posições e resiste bravamente a fazer concessões políticas em troca de apoio.
Esteve perto de ganhar o Ministério da Fazenda pelo menos duas vezes em sua carreira: logo após o impeachment de Fernando Collor, o então senador Fernando Henrique Cardoso sugeriu seu nome, recusado pelo futuro presidente Itamar Franco; no início do governo seguinte, o próprio Fernando Henrique descartou seu nome, colocando-o como ministro do Planejamento e, depois, da Saúde, onde fez uma gestão marcante.
No meio político, Serra ganhou fama de mal-humorado. Uma amiga conta que ligou para ele em 19 de março, dia de São José, seu aniversário. Era um telefonema para cumprimentá-lo, mas Serra respondeu secamente que estava com a mãe. Sem graça, a amiga desejou-lhe feliz aniversário e ele fechou a conversa: "Obrigado." A amiga desligou naturalmente desapontada, mas reconheceu que esse "é o jeito dele".
A outra amiga, ele jurou por todos os santos que não seria candidato a prefeito de São Paulo. Lastreada no juramento, a amiga fez várias apostas nesse sentido - e perdeu todas. Ficou furiosa com ele. Quem o conhece de perto afirma que a fama de mal-humorado não é justa e desconfia que ela decorre da aversão de Serra ao assédio de políticos clientelistas. Segundo essas pessoas, antes de ser antipático, Serra é um negociador duro, que não faz concessões de nenhuma espécie.
Em compensação, quando está numa roda de amigos, não olha para o relógio - empolga-se com papos que avançam pela noite (até porque costuma dormir tarde). Nas conversas, o realce vai para sua erudição - é um leitor voraz - e sua memória prodigiosa, que o faz guardar de cor poemas enormes, citações de romances e obras filosóficas e dados completos de filmes de arte, em especial obras do neo-realismo italiano.
A formação cosmopolita, no entanto, não abalou seu vínculo com as raízes de família. Filho único, todo domingo, chova ou faça sol, vai visitar a mãe Serafina e as tias Carmelita e Teresa, que até hoje moram na Mooca, tradicional bairro italiano de São Paulo, em que Serra nasceu. Quando assumiu a Prefeitura, uma de suas grandes preocupações era um projeto de revitalização do bairro.
Por ser filho de italianos de Cosenza, adora um bom vinho tinto e um bom prato, principalmente da cozinha italiana. E apesar de ser filho de italianos de Cosenza, tem duas aversões famosas - odeia cebola e alho.
Serra é filho de um imigrante italiano que tinha uma banca de frutas no Mercado da Cantareira, na qual ele, menino, trabalhava. Amigos e adversários lhe reconhecem os dotes intelectuais, além de uma inesgotável ansiedade para realizar projetos e de uma excepcional capacidade de gestão.
Em sua estada no Chile, como asilado, Serra casou-se com a então bailarina, hoje socióloga, Monica Allende, prima do presidente Salvador Allende, assassinado durante o golpe militar de 1973.