Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 01, 2008

Miriam Leitão Um passo à frente

Na semana passada, um grupo de investidores brasileiros estava visitando o Fundo de Pensão dos professores de Ontário. Eles têm investimentos em outras partes do mundo, mas não podiam, até ontem, investir no Brasil. Essa é a diferença concreta: investidores que, por regulação ou decisão própria, fugiam de “mercados especulativos”, a partir de agora, podem procurar negócios aqui.

Vem mais dinheiro externo e de mais qualidade. Normalmente o que acontece nestes momentos é que sai dinheiro também; o chamado smart money. Esse vem na frente, especula na expectativa da notícia boa, aproveita a alta e parte depois. Portanto, a bolsa pode subir por um tempo e depois cair. Foi assim na Colômbia, considerada grau de investimento há um ano e que, tempos após, ficou com uma valorização de bolsa menor que antes da boa nota. Mesmo assim, a troca vale a pena.

— Virá dinheiro novo, que não pode ir para países e papéis que não têm esse grau de investimento — prevê Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Como virá mais capital estrangeiro, o dólar deve cair mais. Isso traz várias conseqüências, explica o economista Alexandre Marinis: — Há menos pressão inflacionária por um lado, mas aumenta a tensão entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda por causa da política cambial. Se há menos pressão inflacionária, pode-se concluir que os juros não precisem subir tanto. Porém, é bom lembrar que parte da alta dos juros se deve à política fiscal expansionista.
O economista Octávio de Barros, do Bradesco, acha que a decisão significa incerteza menor: — O grau de investimento tira uma incerteza de longo prazo sobre o câmbio, na medida em que é um sinal de financiamento mais confortável do balanço de pagamentos.
Por essa razão, é também um belo sinal a favor de um ambiente inflacionário mais favorável ao trabalho do Banco Central na progressiva convergência dos juros reais para a média do que se pratica nos países emergentes que já são grau de investimento.
Ontem, os economistas estavam todos pensando sobre cada detalhe de uma mudança há muito esperada, mas que, quando chegou, foi de surpresa. Alguns achavam que a elevação da classificação do Brasil à qualidade de bom para investimento iria demorar pela crise americana: as agências quebraram a cara na crise imobiliária americana pois vários papéis e fundos que tinham a melhor classificação (AAA) eram, na verdade, ativos podres.
Com a credibilidade afetada, as agências tenderiam a ser mais cautelosas. Era o que se imaginava. Mas aí veio um fato novo.
Há competição entre as agências de risco. Elas disputam mercados, clientes e visibilidade. Em várias ocasiões, a S&P acabou tendo que seguir movimentos de outras. Como a Fitch está no Brasil fazendo uma série de visitas, alguns acham que isso deu o empurrãozinho que faltava à S&P. A Moody’s acusou o golpe e, ontem mesmo, deu declarações dizendo que é mais rigorosa que as outras “na questão fiscal”.
Alexandre Marinis acha que, se olhar a questão fiscal, esta não era a melhor hora para promover o Brasil: — O lado fiscal está numa evidente deterioração; o governo está gastando mais, aumentou os salários de 810 mil funcionários, a bancada do governo aprovou uma proposta que aumenta o custo da previdência, o Banco Central sobe os juros mais do que o mercado esperava para compensar a política fiscal expansionista — diz.
O fato é que é um passo à frente, mas não muito mais que isso. O Brasil passou a ser BBB Desta forma, ficamos iguais na classificação da S&P, a Índia, Casaquistão e Romênia. Ficamos um degrau atrás da Tunísia; e mais alguns degraus atrás de Barbados, Botswana, China, Malásia, México, Polônia, Rússia, África do Sul, Tailândia e Trinidad e Tobago. O que aconteceu conosco aconteceu com a Colômbia há um ano. E o Peru foi promovido, por outra agência, há um mês.
Regina Nunes, presidente da S&P no Brasil, comenta que um país que recebeu o investment grade pode perdêlo caso não continue perseverando num caminho de melhoria de suas políticas econômica e fiscal. Um exemplo é o Casaquistão, que está correndo risco de deixar de ser grau de investimento.
Você pode estar pensando, caro leitor: mas então que comemoração é esta? Afinal o Brasil é muito melhor que Barbados, Tunísia, Trinidad e Tobago.
Marinis explica que o que está sendo bem avaliado nesta decisão não é o país em si, mas a capacidade de pagamento da dívida externa, e nisso, de fato, o país tem excelente perspectiva. A dívida é menor que as reservas estrangeiras do Brasil.
Mendonça de Barros explica também que essa classificação, num país pequeno e sem oportunidades de investimento, é bem diferente que num país como o Brasil, com todas as óbvias oportunidades de investimento.
A notícia chegou no mesmo momento em que o ministro da Fazenda anunciava um aumento da gasolina, como nos velhos tempos em que isso era decidido pela Fazenda. E, mais, o governo decidiu perder R$ 2,5 bilhões de arrecadação, subsidiando a gasolina para não afetar a popularidade do presidente e a inflação. Para o consumidor, é bom, mas para quem quer uma economia de mercado funcionando com transparência e consistência fiscal foi a nota que desafinou na melodia do investment grade.

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