O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse que o grupo vencedor de Jirau pode fazer mudanças no projeto, desde que não piore as condições energéticas nem ambientais da usina. Empresas ameaçam brigar na Justiça, índio ataca engenheiro da Eletrobrás a facão, ministros se desentendem. Há sempre confusão quando se pensa em construir hidrelétricas na Amazônia.
Todos os novos grandes projetos de geração hidrelétrica estão na Amazônia.
Cada um deles levanta uma coleção de dilemas. O leilão de Jirau foi um sucesso, mas o grupo perdedor acha que foi lesado. Já Belo Monte teve mais um lance dramático de uma longa história de conflitos.
O impacto causado por uma hidrelétrica começa bem antes do leilão ou da obra. Só o seu anúncio já atrai migrantes em busca de trabalho, grilagem de terra, especulação.
O segundo impacto vem da própria construção do lago e da usina. No caso da Amazônia, região plana, normalmente é preciso fazer grandes lagos, o que significa destruição de muita floresta.
Em Tucuruí, por exemplo, não houve resgate da floresta.
A conseqüência foi uma enorme emissão de metano, mais danosa que a de carbono, através do lago. O terceiro grande impacto é após concluída a usina, pois quem participou da obra fica no local e se formam pólos sem planejamento.
Não é desta semana que as hidrelétricas do Rio Madeira causam polêmica. Na segunda-feira, foi feito o leilão da segunda delas, a de Jirau. O resultado teve o surpreendente preço de R$ 71 MWh, com mudanças no projeto, e a polêmica foi ontem notícia na coluna de Flávia Oliveira: Odebrecht e Furnas, do consórcio perdedor, estão questionando a mudança do projeto e uma consulta prévia à Aneel, vista como ataque à isonomia.
Segundo o consórcio Energia Sustentável, que tem como majoritária a Suez, empresa de capital aberto lá fora que se fundiu a estatal GDF, o preço foi garantido porque eles conseguiram reduzir o custo dos R$ 12 bilhões iniciais para R$ 9 bi.
Para tanto, eles mudaram em 9 quilômetros a localização da usina (uma economia de R$ 1 bilhão), fizeram uma boa negociação com a construtora (aliás, sócia também) e conseguiram equipamentos mais baratos, que devem vir da Coréia. A antecipação na entrega da obra é outro dos trunfos. O consórcio vencedor garante que não vai diminuir o investimento em meio ambiente e diz que um aumento de cerca de 10 km² no alagamento é melhor que a retirada de rochas que se faria de acordo com o projeto anterior.
— Agora levaremos esse projeto para aprovação da Aneel e do Ibama, para ver se é necessário ajuste. O EIA-Rima foi feito para o trecho Porto Velho-Abunã, então podíamos, sim, fazer a modificação, que diminuiu o impacto ambiental também — afirma Victor Paranhos, presidente do consórcio da Suez.
Irineu Meireles, líder do consórcio Jirau Energia, da dupla Odebrecht-Furnas, diz que é normal que se façam “projetos alternativos, um pouco mais à direita ou à esquerda”. No entanto, segundo ele, 9 quilômetros já seriam muito, podendo causar impacto no reservatório e até a necessidade de novos estudos ambientais, não só para Jirau, mas também para Santo Antônio.
O diretor da Aneel ainda não recebeu o projeto.
— Não sei se a proposta tem algum pecado. Se não piorar as condições energética e ambiental, não há problema. Mas o edital não foi ferido. Não pode mudar a cota da barragem, ou seja, sua altura; assim como a energia assegurada.
Por ora, o grupo OdebrechtFurnas não tem o que fazer na prática, porque qualquer contestação na Aneel só é possível depois que o consórcio vencedor entregar seu projeto, e o prazo para isso é janeiro. Mas certamente essa história ainda terá novos capítulos, afinal são muitos bilhões no negócio.
Enquanto a polêmica se dava entre os construtores, outra hidrelétrica amazônica era razão de conflito. Em plena audiência pública, um engenheiro da Eletrobrás foi atacado a facão por um índio. A inaceitável atitude aconteceu em torno de uma das mais polêmicas obras programadas na região: a hidrelétrica de Belo Monte, antiga Kararaô.
Essa usina começou a ser pensada nos anos 70. Na década seguinte, Eletronorte e Camargo Corrêa iniciaram os estudos de viabilidade dela e da usina de Babaquara. Babaquara foi logo abandonada; quem conhece o projeto diz que ele era “horroroso” do ponto de vista da inundação e Belo Monte não ficava atrás. Inicialmente, ela secava uma enorme parte do leito do rio.
Hoje está sendo concluído o inventário do Rio Xingu. Há a opção de fazer só Belo Monte ou também outras quatro usinas. Kelman garante que, em nenhuma das duas hipóteses, serão inundadas terras indígenas. Pelo projeto atual o alagamento é de 400 km², 10% do lago de Sobradinho.
Paulo Adário, do Greenpeace, é contra grandes obras na Amazônia e está assustado com as novidades: — Minha sensação é que, em pouco mais de uma semana, mudei de planeta. Estávamos falando de desenvolvimento com sustentabilidade, preocupação com a floresta e, de repente, mudou tudo.
Os conflitos vão continuar e o grande dilema é: o país precisa de mais energia, mas tem também que preservar a floresta.
Entrevista:O Estado inteligente
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