Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 14, 2007

Rubens Barbosa, AGENCIAS REGULADORAS AMEAÇADAS

Ao assumir o cargo de Primeiro Ministro do Reino Unido em 1997, Tony Blair tomou duas medidas que contrariavam a tradicional atitude política do Partido Trabalhista britânico: deu autonomia ao Banco Central e determinou uma revisão das agências reguladoras para torná-las mais eficientes.

Criadas em 1967 por Margareth Thatcher como conseqüência do processo de privatização de empresas estatais de serviços públicos, as agências tiveram seu funcionamento examinado por uma comissão independente de alto nível integrada por três respeitadas personalidades públicas para analisá-las sob os ângulos da melhoria da prestação do serviço público e da maior atenção ao interesse do consumidor.

Estabelecidas a partir de 1997, as agências reguladoras no Brasil foram uma inovação administrativa. A exemplo de outros institutos, como o Juizado Federal, as agências reguladoras foram transplantadas do sistema jurídico formal dos países anglo-saxões e, como é natural, levam tempo para serem aceitas pela nossa cultura jurídica romano-germânica e pela nossa tradição presidencialista centralizadora.

Ao completar dez anos, a exemplo do acontecido no Reino Unido, parece oportuno fazer-se uma reavaliação de seu funcionamento, sem a contaminação dos recentes problemas gerados pela crise do setor aéreo e pelo (não) papel da ANAC.

A discussão da Lei Geral das Agências Reguladoras enviada pelo Executivo ao Congresso e a informação de que o Governo Lula pretende retirá-la para limitar sua independência tornam o assunto de grande atualidade.

Não é segredo para ninguém as restrições do Partido dos Trabalhadores ao processo de privatização e ao funcionamento das agências reguladoras. Instalado no Poder, o PT introduziu, em 2003, as primeiras mudanças na legislação vigente criando o contrato de gestão e a ouvidoria para tentar controlar mais de perto suas atividades. Agora, a Lei Geral estabelece divisão de tarefas entre ministérios e agências, o governo ficando responsável pela formulação de políticas setoriais e as agências da regulação e fiscalização, em especial no tocante aos contratos de concessão.

O marco regulatório deve ser encarado como um instrumento do Estado. Na sua origem nos EUA, foram concebidas para permitir a ingerência do Estado nas atividades produtivas privadas em defesa do interesse público. Hoje, as agências devem ser um fator de limitação do poder discricionário dos Governos em áreas que foram privatizadas.

Em muitos países, como o Brasil, é limitada a compreensão da diferença entre as atividades de governo, com prioridades temporárias, e as de Estado, que devem ser sempre permanentes. Se juntarmos a isso a filosofia estatizante do PT, temos o caldo cultural que pode transformar as agências em meros apêndices do Governo, quando, nos países em que elas existem e funcionam perfeitamente, o principio básico é sua independência.

A autonomia das agências se expressa pela independência política dos gestores, pela independência técnica das decisões, pela independência na elaboração das normas e pela independência gerencial e orçamentária.

A Lei Geral em exame pelo Congresso peca por pretender dar o mesmo tratamento a agências de natureza diferente (reguladoras – Aneel e Anatel - e executivas, as demais), aumenta o controle do Governo sobre as nomeações e demissões e interfere no funcionamento das agências reguladoras. Nesse sentido, pode ser considerada um retrocesso. Se o Governo Lula vier a retirá-la para introduzir modificações pode-se imaginar que o projeto de lei se tornará ainda mais restritivo, tornando as agências mais subordinadas ao Governo.

É do interesse da sociedade brasileira que a legislação seja aperfeiçoada, sem perder de vista a defesa do interesse dos consumidores e usuários e o necessário controle da qualidade do serviço público prestado. No caso do Brasil, as agências são importantes também para tornar mais transparente a concorrência e para assegurar a estabilidade das regras contratuais, elementos críticos na definição de investimento por parte das empresas, sobretudo as estrangeiras, que buscam participar do crescimento do mercado brasileiro.

No momento em que o Governo Lula busca captar recursos externos para o programa de aceleração do crescimento, o enfraquecimento das agências reguladores e executivas será percebido como uma medida ideológica que tornará menos favorável o ambiente de negócios para o programa de parcerias públicas e privadas. Na contra-mão das tendências regulatórias internacionais, a nova regulamentação das agências poderá criar uma situação em que elas se tornem apêndices dos Ministérios e sem condições de defender os interesses dos usuários, como está ocorrendo com a ANAC. Ali ficou evidente a politização e o partidarismo na indicação de seus dirigentes e sua baixa capacitação técnica.

Talvez seja o caso de repetir a boa experiência britânica. O Governo Lula prestaria um grande serviço ao país se nomeasse um grupo reduzido de personalidades a fim de sugerir propostas para o aperfeiçoamento e o fortalecimento das agências como instrumentos do Estado e não do Governo. Esse grupo poderia discutir também quem deve regular e controlar os órgãos reguladores (na experiência dos EUA é o Congresso, no Brasil o Governo ocupa esse espaço) e formas de participação da cidadania, pelo acompanhamento do serviço público prestado e sua responsabilização pelos atos praticados.

Se não é jaboticaba e só existe no Brasil é besteira, dizia Mario Henrique Simonsen. Se o Congresso aprovar uma legislação que retire mais poder das agências, estaremos, lamentavelmente mais uma vez, inovando de forma contrária aos interesses nacionais.

Rubens Barbosa, consultor de negócios, ex-Embaixador em Londres e em Washington e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Arquivo do blog