Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 11, 2007

Os três muy amigos

Mala com quase 800 000 dólares encontrada em jato particular
expõe as relações promíscuas entre Chávez e o casal Kirchner


Duda Teixeira

Juan Mabromata/AFP

Chávez e os Kirchner em Buenos Aires, em março: petrodólares em troca de apoio


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O maior pesadelo de um político é ser flagrado com uma pilha de dinheiro vivo. Esse é o indício mais claro de que seu dono cometeu alguma irregularidade, de sonegação de impostos a lavagem de dinheiro. Nos últimos três meses, quatro escândalos de corrupção afetaram a imagem do governo argentino, sendo dois deles com notas de dinheiro. No início de junho, descobriu-se uma bolsa com o equivalente a 64.000 dólares no banheiro privativo da ministra da Economia, Felisa Miceli. Na madrugada de 5 de agosto, agentes da alfândega de um aeroporto em Buenos Aires flagraram uma mala com 790.500 dólares não declarados em um avião que trazia de Caracas quatro executivos da PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana, o presidente da Enarsa, companhia argentina de energia, Exequiel Espinosa, e autoridades do governo argentino. A principal suspeita é que o dinheiro seria utilizado na campanha da senadora Cristina Kirchner, esposa do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, e a candidata mais forte às eleições de outubro.

O caso tem importância não apenas pela elevada quantia em dólares (em valores atualizados, seria algo próximo ao encontrado com petistas que queriam comprar um dossiê contra José Serra no ano passado), mas também porque traz à luz a diplomacia paralela que existe entre Venezuela e Argentina. Quando interpelado pelos agentes, o empresário venezuelano Guido Antonini Wilson, que estava no avião, afirmou ser o dono da mala. Para o ministro do Planejamento da Argentina, Julio de Vido, braço-direito de Kirchner, Wilson era um mero caroneiro que entrou no avião errado. A história não é tão simples. Wilson viajou como acompanhante do filho do vice-presidente da PDVSA, a principal fonte da riqueza de Chávez. O jato estava alugado pela argentina Enarsa, que tem negócios com o presidente venezuelano. Entre os passageiros, estava ainda Claudio Uberti, presidente da agência que fiscaliza as estradas na Argentina e encarregado informal do relacionamento entre os dois governos. Uberti, que também é acusado de coletar doações ilegais à campanha de Kirchner em 2003, foi demitido na quinta-feira.

Os laços de amizade entre Chávez e Kirchner se intensificaram há dois anos, quando o venezuelano comprou os primeiros títulos da dívida externa argentina. Até hoje, mais de 5 bilhões de dólares em "Bônus Kirchner" estão nas mãos da Venezuela. Uma série de acordos bilaterais está em andamento. Na segunda-feira, em visita a Buenos Aires, Chávez anunciou que financiará uma usina de gás liquefeito na Argentina, o que poderá abrandar a crise energética que o país enfrenta. Como contrapartida, a diplomacia dos petrodólares tem dado a Chávez um papagaio aliado dentro do Mercosul. Kirchner é um dos que mais pressionam pela entrada, ainda não sacramentada, da Venezuela como membro pleno no bloco. Isso apesar das constantes declarações de Chávez contra o Mercosul. Em junho, durante uma reunião do grupo em Montevidéu em que se discutiria a não-renovação da concessão do canal RCTV, a delegação argentina abandonou o evento e voltou antes para casa alegando problemas com o vôo. Assim, impediu-se que fosse criada uma comissão para avaliar a liberdade de imprensa na Venezuela. "É uma relação pragmática. Kirchner precisa de financiamento externo. Chávez, de apoio político. Ambos fazem negócio", disse a VEJA Julio Burdman, cientista político da Universidade de Buenos Aires.

Como se tratava de uma negociata entre grandes amigos, autoridades procuraram atenuar o impacto da mala no aeroporto. O episódio só veio a público na terça-feira, depois que Chávez deixou a capital argentina rumo a Montevidéu, no Uruguai. Malas de dinheiro são prática corriqueira na Venezuela. Chavistas compram carros e viagens no país com dinheiro vivo. Em 2004, Jesús Bermúdez, do Ministério das Finanças, foi detido em um aeroporto de Miami com 37.000 dólares na mala. Também não causa surpresa o fato de Chávez se intrometer nas eleições de outros países. O presidente favoreceu os candidatos de sua preferência na Bolívia, na Nicarágua, no Peru e no Equador. O que surpreende é a conivência que esses casos têm recebido na Argentina. Após ser pego com a mão na botija, Wilson pagou uma multa de 400.000 dólares por infração de bagagem (como levava mais de 10.000 dólares, ele precisaria declarar o montante). Nenhuma autoridade o interrogou para que ele dissesse a origem ou o destino do dinheiro, mesmo que isso fosse apenas uma tentativa de justificar o injustificável. Com as notas restantes, o empresário embarcou tranqüilamente para o Uruguai na terça-feira. Fez, assim, o mesmo roteiro de Chávez. Isso é que é amizade.

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