Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 15, 2007

O medo voltou e é bem-vindo



Artigo - MARTIN WOLF, COLUNISTA DO "FINANCIAL TIMES"
Folha de S. Paulo
15/8/2007

"Em determinadas épocas, muita gente estúpida tem muito dinheiro estúpido. ... A intervalos ... o dinheiro dessa gente -o capital cego do país, como o chamamos- é especialmente volumoso e ganancioso; ele busca alguém para devorá-lo, e há uma "pletora"; ele encontra alguém, e há "especulação"; ele é devorado, e há "pânico"."
Walter Bagehot

O PÂNICO vem depois do exagero assim como a noite segue o dia. O grande economista e jornalista do século 19 Walter Bagehot sabia disso melhor que ninguém. Sua obra-prima, "Lombard Street", é dedicada a esse fenômeno. Também é dedicada a como os bancos centrais deveriam lidar com suas conseqüências.
Nosso mundo tem sido o de 100% de hipoteca aos "sem renda, sem emprego, sem ativos"; dos contratos suaves para empréstimos "faça o que quiser com seu dinheiro, desde que pague as taxas"; e do alquimista financeiro do "entram os créditos ruins e saem títulos classificados como triplo A". Tem sido um mundo de confiança, esperteza e muito crédito barato.
Isso não é novidade. É tão antigo quanto o próprio capitalismo financeiro. Hyman Minsky, que ensinou em Berkeley, definiu o modelo canônico. O processo começa com "deslocamento", algum evento que muda percepções das pessoas sobre o futuro. Então vem o aumento dos preços do setor afetado. A terceira fase é o crédito fácil e sua criada, a inovação financeira.
A quarta etapa é o excesso da comercialização, quando os mercados dependem de novo estoque de "tolos maiores". A quinta é a euforia, quando os ignorantes esperam desfrutar a riqueza ganha pelos que vieram antes. As advertências dos que gritam "bolha" são ridicularizadas, porque as Cassandras se enganam há muito tempo. Na sexta fase vem a realização de lucros pelos "insiders", com informações privilegiadas. Finalmente vem a aversão. Neste último ciclo, o deslocamento começou com os enormes cortes das taxas de juros no início dos anos 2000, que elevaram os preços da habitação. O crédito fácil foi estimulado por inovações que permitiram aos credores ver seu serviço como um problema alheio.

Euforia
Então as pessoas começaram a construir casas para revender, não para morar. O empréstimo "subprime" (de alto risco) foi um sintoma da euforia. Assim como, de maneira diferente, a corrida dos banqueiros para os fundos hedge e das grandes e ricas instituições para financiá-los. Então vieram a realização de lucros, a queda dos preços e, na semana passada, a verdadeira revulsão.
Foi o que George Magnus, do banco UBS, chama de "momento Minsky". Foi o momento em que o crédito secou até para emprestadores sólidos. O pânico tinha chegado.
A reação política correta também é bem conhecida. Foi definida pelo próprio Bagehot a partir de sua observação da evolução do Banco da Inglaterra. O banco central não deve salvar instituições específicas, mas o mercado. E oferecer dinheiro à vontade, a taxa penalizadora, sobre bons títulos.
Ao fornecer dinheiro aos mercados na semana passada e nesta, o Banco Central Europeu, o Fed (EUA), o Banco do Japão e outros bancos centrais fizeram seu trabalho. Se os termos sob os quais o fizeram foram suficientemente penalizadores, é outra questão.
Os mercados financeiros, e especialmente seus grandes atores, precisam ter medo. Sem ele, enlouquecem. Além disso, é impossível pessoas de fora regulamentarem um sistema financeiro global cheio de conflitos de interesse e dominado por enormes mercados de derivativos, corretagem maciça por fundos hedge altamente alavancados e confiança em matemática incompreensível e modelos estatísticos questionáveis. Esses mercados devem se auto-regular. A única coisa que tem probabilidade de convencê-los a fazer isso é a certeza de que os atores poderão estourar.
Quando William Poole, diretor do Fed em St Louis, disse que "o Fed deve reagir aos problemas do mercado só quando ficar claro que eles ameaçam minar a realização dos objetivos fundamentais da estabilidade de preços e alto emprego, ou quando os desenvolvimentos do mercado financeiro ameaçam os próprios processos do mercado", eu aplaudo.
O que não faz Jim Cramer, administrador de fundo hedge e guru da TV, que declarou na sexta-feira que o presidente do Fed, Ben Bernanke, "está sendo acadêmico!... Meu pessoal está nesse jogo há 25 anos. E estão perdendo os empregos, e essas firmas vão falir, e ele está maluco! Eles estão malucos! Eles não sabem nada?! O Fed está dormindo".
Então o capitalismo é para os pobres, e o socialismo, para os capitalistas. Essa visão não é apenas ofensiva. É catastrófica.
Quatro bolhas
O mundo presenciou quatro grandes bolhas nas últimas duas décadas -a das ações japonesas, no final dos anos 1980, a das ações e propriedades no leste da Ásia, em meados dos anos 1990, a das Bolsas dos EUA (e da Europa), no final dos anos 1990, e, finalmente, a dos mercados imobiliários de grande parte do mundo avançado, nos anos 2000. Houve demasiada imprudência financeira em todo o mundo, com banqueiros centrais e ministros da Fazenda oferecendo socorro em virtualmente todas as fases.
Infelizmente, há toda chance de se repetirem os erros. Uma ajuda do governo já ocorreu na Alemanha, muito longe do epicentro. Pode haver outras.
A pressão sobre o Fed para cortar as taxas de juros também crescerá. Como dizem Larry Hathaway e Magnus, do UBS, esse parece ser um evento muito mais significativo do que os efeitos da moratória russa, em agosto de 1998. As conseqüências atuais não podem ser "cercadas". A confiança em contrapartidas e instrumentos financeiros desapareceu. A probabilidade é a de um período de admissão de prejuízos, aperto das condições de crédito e menor alavancagem (uso de recursos de terceiros para melhorar resultado da empresa).
Esse período, que é desejável em si, levará a uma maior pressão por rápidas quedas das taxas de juros, pelo menos nos EUA, e também para mais um socorro parcial a um sistema que tende a crises. Deve-se resistir a essa pressão pelo maior tempo possível.
Mas o desafio subjacente que os bancos centrais enfrentam permanece: enormes superávits de poupança em partes importantes do mundo; setores corporativos que não precisam tomar emprestado e, por isso, categorias limitadas de mutuários dignos e desejosos de crédito, entre eles, principalmente, as famílias dos países ricos.
A época da bolha da habitação nos EUA terminou. A pressão por injeções repetidas de financiamento barato, não.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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