Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 14, 2007

Míriam Leitão - Sintomas da crise



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
14/8/2007

Não foi a segunda-feira que se temia, mas não foi tão boa quanto parecia quando os mercados da Ásia abriram. A crise continuará provocando oscilações nos mercados, pois não se sabe ao certo a dimensão do desequilíbrio, nem quem está contaminado com os créditos podres dos compradores de imóveis dos Estados Unidos. Para piorar: a inflação na China está subindo. O Brasil só recebe os respingos.

Na lista das boas notícias estão: os bancos centrais continuam evitando que a crise se propague, exercendo seu papel de emprestadores de última instância; ontem foi necessária uma oferta menor de liquidez. O Goldman Sachs anunciou que um fundo com problema seria coberto por eles mesmos e outros investidores: uma injeção de, ao todo, US$3 bilhões. A melhor notícia foi não haver nova quebra de fundo.

Na lista das más notícias, estão os eventos dos últimos dias mostrando que os contornos do problema não estão definidos ainda. Eles vieram crescendo, se acumulando. Não é um problema doméstico como pode parecer.

A Countrywide Financial, a maior empresa de financiamento imobiliário americano, admitiu semana passada que estava sendo atingida pelos desequilíbrios inesperados no mercado de crédito, e que isso teria um efeito desconhecido em seus negócios. Ela vinha acelerando as contratações de funcionários para aproveitar a queda de outras grandes empresas, como a American Home Mortgage, e, assim, aumentar seu market share. Contratou dois mil nos últimos meses. Ela já é gigante: concede um de cada cinco financiamentos imobiliários. Se quebrar, arrasta os bancos que a financiam. Hoje sua dívida, que é classificada pelas agências como investment grade, está sendo vendida ao preço de dívida de alto risco (junk bond).

Nos últimos anos, empresas financiadoras concederam créditos sem garantia, cobrando mais de quem tinha cadastro pior, revendendo esses créditos no mercado. Eles eram divididos, reempacotados e revendidos como produtos financeiros com ótimas classificações de risco. A idéia era que, se o risco fosse diluído, ele desapareceria. A avaliação superficial das agências de risco concluiu o processo. O comprador final desses papéis não tinha noção do que realmente estava carregando. Mesmo assim, com base nestes ativos em carteiras, fez operações alavancadas.

A verdade aparece quando os fundos fazem a seguinte pergunta às suas carteiras: quanto realmente vale este título? A pergunta ficou mais freqüente quando as agências de risco, na undécima hora, começaram a rebaixar títulos bem cotados. A Moody"s rebaixou, em julho, 399 tipos de títulos lastreados em recebíveis imobiliários. A Standard & Poor"s anunciou o rebaixamento de mais 207.

Outro problema sempre lembrado, mas apenas nos momentos de crise, é que os hedge funds assumem posições de alto risco e, sobre eles, há pouca ou nenhuma regulação e fiscalização. E eles exageram movimentos, aumentando a volatilidade. Uma das crise dos anos 90 foi provocada pela quebra de um desses fundos, o LTCM.

Alguns analistas garantem que é apenas uma crise de liquidez, não é de solvência. Mas parece ser o oposto: a onda de não pagamento das hipotecas está deixando de ser só subprime. Há o temor de que chegue ao near-prime ou até o prime, ou seja, não apenas os devedores de cadastro ruim, mas os médios e bons pagadores também estariam entrando em inadimplência. Os devedores que tomaram mais empréstimos do que se devia podem representar uma parcela muito maior de todo o crédito do que se considerava.

As autoridades americanas - tanto o secretário do Tesouro, Henry Paulson, quanto o presidente do Fed, Ben Bernanke - disseram recentemente que a crise das hipotecas estava contida. Pelo que se vê, não estão. Eles dizem também que não afetará a economia real. Mas o medo é exatamente que afetem, e algumas empresas americanas - do setor de fast food ao setor de bens de consumo - já estão reportando queda nas vendas. Por enquanto, os dados agregados mostram que a economia dos EUA está crescendo, e com baixa pressão inflacionária. Por isso, aumenta o coro para que o Fed reduza os juros para aliviar a pressão sobre o mercado.

Da China, veio mais uma má notícia: a inflação está resistente, apesar de três elevações dos juros. Bateu em 5,6% a taxa anual no mês passado, a maior inflação em uma década. Isso lembra um outro problema da economia atual: o excesso de crescimento chinês produzindo desequilíbrio macroeconômico.

No Brasil, a pesquisa semanal que o Banco Central divulga mostrou que o mercado está revendo para cima o tamanho do crescimento este ano. Isso parece contraditório com o clima de crise que está se instalando; mas não é.

Primeiro, há uma certa defasagem nestes dados da pesquisa Focus do BC. Cada banco muda sua previsão numa data, e isso faz com que uma tendência acabe sendo incorporada aos poucos aos dados gerais.

Segundo, é que o Brasil, por enquanto, só está sendo atingido indiretamente. O que tem acontecido é o contágio entre as grandes economias. Os países emergentes estão afastados do centro da crise, recebendo os respingos. Mas, se houver uma onda maior de perdas, certamente os investidores vão vender ativos nos emergentes para cobrir posições. Isso afetaria o Brasil e outros emergentes.

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