Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 14, 2007

Luiz Garcia - A toga varonil




O Globo
14/8/2007

O juiz paulista Manoel Maximiano Junqueira Filho é um homem que tem a coragem de defender abertamente suas convicções.

Mesmo quando não precisaria fazê-lo. Ou nem deveria.

No começo do mês, ele produziu sentença rejeitando queixa-crime do jogador Richarlyson, do São Paulo, contra um diretor do Palmeiras, que teria insinuado na TV que o atleta era homossexual.

Para Maximiano, a insinuação não existiu. Perfeito: bastaria afirmá-lo numa sentença lacônica. Mas ele preferiu ir além, e produziu uma diatribe contra o direito de homossexuais jogarem futebol profissional no Brasil. Teve o topete de usar a autoridade da toga para defender essa tese carregada de preconceito. Além de burra.

Alguns trechos mostram que estilo e substância têm o mesmo nível:

"...futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram essa condição: "Olhos onde surge o amanhã, radioso de luz, varonil...""

"Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas... não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol." (Presenciar orquestras? Vivenciar homossexuais? O estilo é o homem.)

"Também o negro, se homossexual, deve evitar fazer parte de equipes...", "...a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro... prejudicaria a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal..."

Richarlyson, a propósito, informa não ser homossexual. E não tem problemas no São Paulo, nem há qualquer sinal de que sua carreira esteja em risco.

Já Maximiano é um problemão para o Judiciário. Um juiz que pensa e se expressa como ele está virtualmente pedindo que se ponha em questão sua capacidade de distinguir o certo do errado.

O jogador foi talvez a menor vítima do juiz: a imagem do Judiciário foi ferida - de forma potencialmente grave - pela manifestação virulenta de um preconceito burro. O Tribunal de Justiça, em gesto de defesa inteiramente legítima, abriu sindicância. E o próprio Maximiano sentiu o vento soprando contra: correu a anular a sentença e se licenciar.

São sinais de que as coisas, se o bicho do corporativismo não erguer sua feia cabeça, podem terminar bem.

Pessoalmente, eu apreciaria que os desembargadores, além de execrarem os preconceitos, aproveitassem a operação limpeza para iniciar uma cruzada visando a expulsar da linguagem forense imagens bombásticas e empoladas.

Quanto mais o povo entender o que dizem os juízes, mais poderosa e eficiente será a ação da Justiça. Mas isso também já é outra conversa. Da qual podem participar interessados de todos os sexos.

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