Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 07, 2007

Merval Pereira - Visão crítica




O Globo
7/8/2007

Não acredito que a popularidade do presidente Lula, reafirmada pela pesquisa Datafolha divulgada no fim de semana, se mantenha inalterada porque apenas 8% dos brasileiros viajam de avião e, portanto, a vasta maioria não é afetada pelo caos aéreo. Esse raciocínio caberia se não tivessem acontecido os dois desastres que provocaram a morte de mais de 300 pessoas. A partir do desastre da Gol, há 11 meses, culminando com a nova tragédia, desta vez da TAM, mostrados largamente pelas emissoras de televisão, não é possível dizer que a grande maioria da população não se envolveu com os problemas causados pelo caos aéreo, ou desconhece suas conseqüências.

Isso seria definir levianamente insensibilidade e egoísmo como características das camadas menos favorecidas e de menor instrução, a grande massa de apoiadores do presidente Lula. Segundo a pesquisa Datafolha, consideram o governo ótimo ou bom 52% dos que têm renda até cinco mínimos, que representam nada menos que 80% da população brasileira. E a grande massa dos que o consideram ótimo ou bom tem o ensino fundamental ou médio, representando pouco mais de 88% da população brasileira, pois apenas 11,2% têm nível universitário, onde se concentra grande parte dos críticos do governo.

Acho mais provável que essas pessoas não tenham uma capacidade crítica para atribuir ao governo responsabilidade pelo caos aéreo, e nem para entender que, pelo menos indiretamente, esse fracasso administrativo dos diversos órgãos da Aeronáutica provocou os desastres e foi incapaz de dar uma solução para a crise aérea neste quase um ano.

Ao contrário, se o pessimismo com Lula e seu governo só faz crescer entre os de mais instrução e maior renda, não se trata apenas de uma contraposição entre ricos e pobres, mas sim entre os que têm visão crítica mais aguçada, não embaçada por programas assistencialistas.

É uma questão de ligar causa e efeito, que muitas pessoas não fazem por ideologia pura e simples, e a grande maioria não faz por incapacidade de processar as informações que recebe, ou por ter a tendência de perdoar um governo que tanto bem lhes faz, ou pela junção das duas situações.

Aceitam sem muitas desconfianças as explicações do governo, e especialmente as do presidente Lula, de que não sabia o que estava acontecendo, ou que o problema, como sempre, vem de longe, de outros governos nestes últimos 500 anos, e que ele não pode resolver tudo do dia para a noite.

Enquanto o país estiver em uma boa situação econômica e a inflação estiver controlada, a tendência é permanecer essa visão complacente do governo Lula pela grande maioria da população. Se levarmos em conta que 60% da população têm renda familiar até três salários mínimos, e 80% têm renda de até cinco salários mínimos, chegamos à conclusão de que o trabalho que o governo vem fazendo com o aumento do salário mínimo, a Bolsa Família e todos os programas direcionados para essa população têm dado resultados eleitorais para o presidente. Embora a permanência dessas mesmas estatísticas seja a prova cabal do fracasso dos programas sociais, que não mudaram a face injusta da sociedade brasileira, e nem estão apontando um caminho para essa mudança. É inegável que a vida dessa vasta faixa da população tem melhorado, embora estruturalmente nada tenha mudado, e essa é a crítica.

São programas assistencialistas que buscam a inclusão social dessas camadas através de meios superficiais e transitórios. O lado de inclusão social permanente, que é o das condicionalidades educacionais e de saúde, tem caráter secundário nos programas assistenciais do governo.

Essa sensação de bem-estar que esses programas provocam não se sustenta sem a continuidade deles: não há avanços concretos na melhoria do ensino, na melhoria da saúde, para que os beneficiários de hoje caminhem pelas próprias pernas amanhã. Ao contrário, os programas só fazem aumentar o número de participantes.

Não há indicações claras ainda sobre como a economia internacional se comportará daqui por diante, o que condiciona a continuidade desse ambiente de lua-de-mel entre o governo Lula e a grande massa da população que o apóia no momento.

Só a piora da situação econômica, que afete essa sensação de bem-estar dos menos favorecidos, pode alterar esse quadro de apoio popular. Ou então uma decepção deste eleitorado com seu ídolo, como a que aconteceu na crise do mensalão. Durante alguns bons meses a popularidade de Lula foi sendo carcomida por um sentimento generalizado de traição, que quase o impediu de se recandidatar.

Por erros da oposição, que não soube tirar proveito político da situação para impor-se como alternativa, e por méritos próprios, Lula conseguiu se recuperar perante seus eleitores, impondo sua presença carismática e dobrando a aposta nos programas sociais, especialmente o Bolsa Família, cuja abrangência foi fortemente ampliada no ano das eleições.

No final de 2005, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a meta era levar o Bolsa Família a todos os 5.560 municípios brasileiros, beneficiando 8,7 milhões de famílias, com inclusão daquelas que têm renda per capita de até R$50, e atendimento de 70% da população pobre em todo o território nacional.

Diante da proximidade eleitoral, e das dificuldades surgidas com as denúncias do mensalão, o governo decidiu acelerar a meta de incluir as 11,4 milhões de famílias. Como agora, em plena crise aérea, os valores do programa foram substancialmente aumentados.

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