Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 07, 2007

Luiz Garcia - Armeiros do crime




O Globo
7/8/2007

O tráfico de drogas depende de dois tipos de insumo: o produto a ser vendido e as armas que protegem o comércio maldito.

Sendo atividade ilegal, outro dado é essencial: a atividade prospera ou definha dependendo da qualidade da repressão.

Esses pontos óbvios dão a dimensão correta de uma assustadora revelação. Estudo de uma subcomissão da Câmara dos Deputados, divulgado pelo GLOBO, denuncia e prova que, no Rio, os arsenais do tráfico são em boa parte abastecidos por policiais militares.

É difícil de aceitar, mesmo para os mais cínicos. PMs fornecem a traficantes as armas que serão usadas para enfrentá-los? Talvez seja mais fácil entender o que se passa se imaginando que os PMs que armam os bandidos não os enfrentam no dia-a-dia. Não correm perigo algum - só arriscam as vidas de companheiros de farda. Entendendo-se "só" como a expressão de um cinismo revoltante.

Pelo que foi possível documentar, em 15 anos 1.539 armas da PM do Rio acabaram nas mãos de bandidos. Outras 928, quase todas pistolas Taurus, de fabricação nacional, foram vendidas individualmente a policiais, e também acabaram indo dormir na casa do inimigo.

É um quadro de corrupção maciça, do tipo mais nojento que se pode imaginar. Inclusive pelo detalhe de que os vendedores - pelo menos em casos documentados por gravações - não são policiais humildes, favelados eles mesmos e ameaçados por bandidos seus vizinhos. Gravações mostram PMs oferecendo munição de graça a bandidos para fechar a venda de armas.

Rubem César Fernandes, do Viva Rio, pede prudência na interpretação do fenômeno. É preciso, diz, saber quem desvia as armas e em quais circunstâncias. Tem razão: em face de fenômeno assustador, é preciso primeiro entendê-lo a fundo, para depois avaliar o tamanho do susto.

Beneficiado pela condição de leigo absoluto, declaro-me instantaneamente apavorado.

Mesmo sem o benefício de aprofundamento da questão, parece óbvio que algo pode e tem de ser feito, imediatamente, para controlar a venda de armas nacionais a policiais militares. Ela hoje acontece em massa. A indústria sustenta que não é problema seu: e vende para quem quer comprar. É um raciocínio que põe em pé de igualdade os comércios de armas e de canetas.

Mas Estado e sociedade não podem fugir ao fato de que têm muito a ver com tudo isso. Há motivo bastante para a perda de confiança num grupo minoritário da tropa. Pois também existem razões de sobra para um reexame das normas sobre a posse de armas particulares por todos os PMs.

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