Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 01, 2007

Merval Pereira - O "desconforto" do PT

Merval Pereira - O "desconforto" do PT


O Globo
1/8/2007

A nomeação do ex-presidente do Supremo Nelson Jobim para o Ministério da Defesa está produzindo reações distintas no PT e no governo, o que mostra a cada vez maior distância que os separa. O presidente Lula tem revelado sua satisfação de ver o governo "saindo das cordas" na crise aérea que se prepara para completar um ano, enquanto o PT se revela "desconfortável" com a presença de um político considerado "muito tucano" ou "de direita" como principal figura do governo no momento. O que o PT considera um pecado original, suas relações com o PSDB e em especial com o governador paulista José Serra, o presidente Lula tem revelado considerar um trunfo para tirar o governo da inércia.

O PT está tão incomodado que até mesmo mistura o fato de Jobim ter escolhido uma frase do primeiro-ministro conservador inglês do Século XIX Benjamin Disraeli com a demissão do revalorizado ícone da esquerda Waldir Pires para tirar daí a ilação de que Jobim, ao prometer resultados com a frase "Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe. Aja ou saia. Faça ou vá embora", estaria na verdade fazendo uma crítica indireta a Pires e ao próprio PT, avalizando a percepção generalizada "na direita" de que a administração é inoperante porque o PT não sabe governar.

O que há, na verdade, é uma disputa de egos em que os petistas se vêem cada vez em mais desvantagem em relação ao PMDB, e o temor de que, sendo exitoso no Ministério da Defesa, o ex-presidente do Supremo venha a se tornar um presidenciável forte dentro da coalizão governamental.

Na verdade, Jobim se colocou em situação que Disraeli descreveu em uma das suas frases famosas. Segundo ele, "o segredo do êxito na vida de um homem está em preparar-se para aproveitar a ocasião, quando ela se apresenta".

O mesmo Jobim que hoje é considerado, por parte do petismo, como "quinta-coluna" tucano infiltrado no governo já foi acusado pela oposição de estar protegendo os petistas. Em 2005, liminar concedida por ele impediu que o Conselho de Ética da Câmara abrisse processo contra seis deputados do PT acusados de envolvimento com o mensalão, por entender que eles não tiveram direito à defesa prévia.

Jobim também fora acusado, em 2002, de proteger José Dirceu no caso Santo André, ao rejeitar a abertura de inquérito criminal e o seu indiciamento, pedidos pelo ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro. No mesmo ano, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi acusado pelo PT de favorecer seu amigo e então candidato à Presidência pelo PSDB ao aprovar a verticalização.

De volta à ribalta política, Jobim é taxado de "direitista" pelo petismo militante, como se a direita não estivesse já bem representada na coalizão partidária que sustenta o governo, tanto no PP de Maluf quanto no PTB de Roberto Jefferson e Collor, e em outros segmentos do próprio PMDB, essa geléia geral partidária que continua dividida no governo.

O deputado Chico Alencar, do PSOL, pergunta: "A quem interessa derrubar Lula, que tem tão bom trânsito entre o empresariado e base de sustentação partidária tão conservadora? Parece que, assim como nas ditaduras militares o discurso do "inimigo externo" coesionava, no governo Lula tudo se justifica em função das "ameaças da direita". Direita que está dentro do próprio governo, com os Barbalhos, Severinos e tantos outros (que jamais tiveram mínimo pendor progressista) tendo tanta influência".

Lula dá razão a Chico Alencar quando faz afirmações como as de ontem em MT: "Os que estão vaiando eram os que deveriam estar aplaudindo. Os que estão vaiando, posso garantir, foram os que mais ganharam dinheiro neste país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganharam os banqueiros, empresários. Vamos continuar fazendo política sem discriminação".

Na sua fala, porém, deu a entender que havia um toque golpista nas manifestações contra ele. Para não perder o hábito, Lula advertiu: "Se quiserem brincar de democracia, eles sabem que ninguém coloca mais gente na rua do que eu". É a velha ameaça, que funcionou nos tempos do mensalão, de apelar para os chamados "movimentos sociais" caso a oposição queira enfrentá-lo nas demonstrações de rua. O problema de Lula é ele se equilibrar entre ações sensatas de governo e a insensatez que domina setores importantes do PT.

Dirceu, por exemplo, a quem se atribui não apenas a nomeação da diretora da Anac Denise Abreu - o que ele nega -, mas também a decisão de ninguém se demitir na agência, continua crítico da política econômica, mesmo depois que um companheiro do PT do RS, Arno Agustín, foi colocado na Secretaria do Tesouro, cargo vital que foi ocupado na gestão de Palocci por Joaquim Levy, que era acusado de ser tucano pelos petistas.

Pois mesmo com um petista da gema no cargo, continua "tudo como dantes no quartel do Abrantes", reclama Dirceu em seu site. Ele diz que o superávit primário do governo cresceu 13,5% no primeiro semestre, enquanto só 10% dos investimentos previstos foram realizados no período, no que tem razão de reclamar.

Mas o secretário do Tesouro anunciou que não permitirá que os gastos cresçam mais que o PIB, no que está absolutamente certo, e Dirceu considerou essa decisão um aumento do que chama "arrocho".

O ex-ministro Antonio Palocci costumava dizer que o PT age como oposição mesmo estando no poder. Sabia do que estava falando.

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