O Globo |
10/8/2007 |
Foi das coisas mais tristes dos últimos tempos ver o depoimento do boxeador cubano Guillermo Rigondeaux à televisão cubana, declarando-se "um revolucionário". Com um patético boné Nike, provavelmente pirata, símbolo do embate entre dois sistemas políticos do qual se tornou a maior vítima, o pobre desertor, de volta a sua casa em Cuba, tentou de todas as maneiras arranjar uma desculpa que o livrasse da provável punição que o atingirá mais fortemente assim que o caso for esquecido. Só o fato de terem mudado de versão diversas vezes já mostra a situação em que Rigondeaux e Erislandy Lara se encontravam quando procuraram a polícia em Araruama. O governo brasileiro não entrou nessa como Pilatos no credo, pois atuou no que lhe competia com uma agilidade jamais vista, mas ao que tudo indica se meteu em uma briga de baixo mundo que envolve política e negócios. O turco radicado na Alemanha Ahmet Öner, empresário que os levaria para lutar na Alemanha, onde já tem sob seu contrato outros pugilistas cubanos, diz que o negócio não deu certo porque a família dos dois foi ameaçada em Cuba. De fato, há um relato de que o chefe da segurança da delegação cubana no Pan chegou a falar com um dos dois por celular, depois confiscado e destruído por um agente do turco que acompanhava os atletas foragidos. Os boxeadores disseram à Polícia Federal que foram drogados pelos alemães e depois se perderam. De volta à ilha, deram declarações com uma nova versão. Guillermo Rigondeaux disse que agiu de forma indisciplinada ao abandonar a delegação e que a volta a Cuba foi uma forma de reparar o erro que cometeu. Em entrevista ao jornal oficial "Granma", Erislandy Lara disse que a Polícia Federal chegou a pressioná-los para que ficassem no Brasil, afirmando que aqui teriam muito mais dinheiro, e se tornariam personalidades. E ele garantiu à repórter oficial: "Nós dissemos sempre que queríamos voltar a Cuba, custasse o que custasse". Rigondeaux ainda acrescentou que todos na Polícia Federal lhes sugeriram que não regressassem a Cuba pois lá os estaria esperando "uma grande sanção". Como todas as ditaduras são iguais, acreditar em uma entrevista do "Granma", ou tomá-la como a verdade completa para fazer um juízo de valores, corresponde a ter acreditado na veracidade dos depoimentos dos vários "arrependidos" que os governos militares brasileiros mostravam na televisão. Pela nova versão apresentada pelos pugilistas em Cuba, eles tiveram que resistir para não ficar no Brasil, e a Polícia Federal brasileira agiu não como "pau mandado" dos cubanos, como estava sendo acusada, mas como "pau mandado" dos "tubarões da máfia internacional" que, segundo o ditador Fidel Castro, está à procura de "carne fresca" no mercado pugilístico. Evidentemente essa proposta da Polícia Federal nunca aconteceu, e nem poderia ter acontecido, e só demonstra como os dois cubanos estão tentando desesperadamente passar de "desertores" a "revolucionários", sem convencer ninguém, muito menos o comandante Fidel Castro, que já diagnosticou: não viu traço de arrependimento honesto nas declarações dos dois, que estão fora das competições. A situação era tão delicada que, segundo relato do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro, Wadih Damous, o procurador da República Leonardo Luiz de Figueiredo Costa, representante do Ministério Público Federal, o informou que entrevistara os atletas a sós, em um hotel de Niterói, onde eles estavam sob vigilância da Polícia Federal, sem a presença de agentes policiais, e ofereceu-lhes a possibilidade de ingressar com um habeas corpus para que permanecessem no Brasil, mas ambos informaram que, por livre e espontânea vontade, tinham decidido regressar a Cuba. A presença das duas autoridades não ligadas ao governo na sexta-feira no local da prisão dos cubanos dá à posição do governo brasileiro um ar de legitimidade que deveria ter sido divulgado imediatamente. Mas não invalida a desconfiança de que a mudança de atitude tenha sido provocada por uma pressão irresistível do governo cubano. A organização internacional Human Rights Watch pediu uma investigação independente. Toda desconfiança se baseia, além da estranheza do episódio, nas relações mais que especiais do governo brasileiro com a ditadura cubana. Para comemorar os 80 anos do ditador Fidel Castro, o PT escolheu o sociólogo Emir Sader para representar o partido nos festejos, e a mensagem que Sader levou pessoalmente, assinada por toda a direção do partido oficial do governo, chama Fidel Castro de "querido presidente" e ressalta que "compartilhamos governos na maioria dos países da América do Sul (...) fortalecendo o projeto centrado no desenvolvimento com justiça social, soberania popular e integração solidária". Em 2003, após a onda de repressão política que se abateu sobre a ilha de Fidel, com o fuzilamento de pessoas que tentaram fugir e a prisão em massa de intelectuais dissidentes, o Itamaraty se pronunciou oficialmente sem grande ênfase, revelando apenas uma "forte preocupação" com a situação. O então embaixador brasileiro em Havana, Tilden Santiago, disse que não se pronunciaria por que Cuba era "sua família". Também o Brasil votou, a pedido de Cuba, pela suspensão da ONG Repórteres Sem Fronteiras da Comissão de Direitos Humanos da ONU, ela que defende a liberdade de imprensa no mundo e é a mesma que recentemente protestou contra um pronunciamento do PT com críticas à imprensa brasileira. A ONG, da qual faz parte o jornalista e poeta cubano Raul Rivero, condenado a 20 anos de prisão em Cuba, se posicionara contra a presença da Líbia na Comissão de Direitos Humanos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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