Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 03, 2007

Merval Pereira - Falhas conhecidas




O Globo
3/8/2007

A declaração do presidente Lula de que o governo não sabia da gravidade dos problemas no setor aéreo, se revelasse a verdade, seria apenas mais uma explicitação de incompetência administrativa. Mas, como existem diversos relatórios já divulgados, e outros que começam a surgir da crise, demonstrando que essa questão era por demais conhecida de diversos escalões do governo, a frase é apenas uma tentativa indigente de se eximir da responsabilidade pela maneira descuidada com que o assunto foi tratado. Bastaria a reiteração do relatório de 20 páginas que o então ministro da Defesa José Viegas encaminhou ao Palácio do Planalto em 2003, alertando para as conseqüências que a falta de investimentos na segurança de vôo causaria, para demonstrar que o presidente não pode alegar, mais uma vez, que de nada sabia.

Naquele relatório, o ministro advertia que "a diminuição dos recursos (...) pode obrigar o Comando da Aeronáutica, por medida de segurança, a adotar um controle de tráfego aéreo nos níveis convencionais existentes no passado".

Com isso, Viegas alertava que o controle poderia voltar a ser feito sem o uso de radares, o que levaria a intervalos maiores entre pousos e decolagens, provocando atrasos e congestionamentos nos aeroportos brasileiros.

Desde 2004, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Aeronáutica adverte, em suas propostas orçamentárias, para a necessidade de maiores investimentos no sistema de controle do tráfego aéreo, principalmente para "operação, manutenção, desenvolvimento e modernização do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (Sisceab)".

Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, o Decea advertiu a Secretaria de Planejamento que a insuficiência de recursos em 2005 certamente geraria "efeitos danosos ao progressivo aperfeiçoamento dos meios e das atividades inerentes ao controle do espaço aéreo brasileiro, situação contrastante, inclusive, com as expressivas taxas de crescimento de tráfego aéreo no país".

Os relatórios da Aeronáutica previram "atrasos e congestionamentos nos principais aeroportos do país"; "maior tempo de espera entre pousos e decolagens de um mesmo aeroporto"; "diminuição do grau de confiabilidade e oportunidade na prestação de informações aeronáuticas e meteorológicas às aeronaves domésticas e internacionais que cruzam o espaço aéreo brasileiro" como algumas das conseqüências dos cortes de investimento no sistema de controle do tráfego aéreo nos últimos anos.

Ao mesmo tempo, em diversas áreas havia reclamações sobre a manutenção, especialmente no que se refere ao Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), região onde aconteceu o choque entre o jato Legacy e um avião da Gol, há dez meses, provocando a morte de 154 pessoas, e onde recentemente houve uma pane elétrica que deixou às escuras o Centro Integrado de Defesa Aérea de Manaus (Cindacta-4), cujo diretor foi demitido terça-feira.

Há um relatório de 2003 revelando que "é gravíssima a situação de reposição de sobressalentes para os diversos equipamentos e sistemas dos Centros Regionais". A reclamação nesse caso é sobre a atuação das empresas americanas Raytheon e Atech, responsáveis pela instalação e manutenção do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).

Em 10 de junho de 2004, outro relatório advertia que "os sistemas instalados nas salas técnicas dos centros regionais de Manaus e Porto Velho tiveram seus períodos de garantia vencidos em 25 de janeiro de 2004 e 25 de maio de 2004, respectivamente, e embora tais sistemas sejam vitais para o funcionamento do Sipam, até o presente momento nenhum contrato de manutenção que garanta a continuidade da operação dos referidos sistemas foi fechado".

Os sistemas que ficaram sem cobertura de garantia naquela ocasião iam desde radares meteorológicos aos computadores da rede administrativa do Centro de Coordenação Geral da Amazônia (CCG). A falta de pessoal capacitado para fazer a manutenção dos equipamentos já era um problema em 2004, e, pelo visto, continuou até recentemente, haja vista o acidente ocorrido no último dia 21, quando uma pane elétrica deixou os radares do Cindacta-4 fora de ação, fazendo com que diversos vôos internacionais não pudessem entrar no espaço aéreo brasileiro.

A pane foi causada por erro na manutenção do sistema. Um relatório de maio de 2004 informa que o satélite geoestacionário Tiros, utilizado para informações meteorológicas e de focos de incêndio na Amazônia, teve uma falha "e não havia um único técnico capacitado para realizar a manutenção corretiva necessária".

Um dos técnicos chega a escrever em um relatório: "Não compreendo como uma sala técnica da complexidade de um CR não possui uma equipe de manutenção H24 para evitar a interrupção de atividades por períodos elevados". Há também a advertência de que muitos dos sistemas adquiridos nos Estados Unidos já atingiram "um alto nível de obsolescência" e não há nenhum estudo para atualizá-los.

Alguns dos relatórios fazem críticas à atuação do Censipam, o centro gestor e operacional do sistema de proteção da Amazônia, que é subordinado à Casa Civil da Presidência da República - que teria legado a um plano secundário ações importantes na área de logística e recursos humanos, especialmente a falta de treinamento de pessoal habilitado para fazer a manutenção dos equipamentos. Em um dos relatórios, há uma referência a "injunções político-partidárias" que estariam colocando em risco áreas cruciais e sobrecarregando outras.

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