Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 04, 2007

Medo das mães atrasa o desenvolvimento dos filhos

Preocupação demais, brincadeira de menos

Como a angústia das mães brasileiras com a segurança
compromete o desenvolvimento das crianças


Anna Paula Buchalla

Fabiano Accorsi
A empresária paulista Neusinha e suas três meninas: brincadeiras seguras num espaço de recreação de shopping


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Quadro: Aflitas além da conta

Ser mãe no Brasil é... dizer não, ainda que com o coração apertado, quando a babá pede para passear com a criança na pracinha do bairro. Não desgrudar os olhos da janela na primeira vez que seu filho pede para ir sozinho à padaria da esquina. Inventar atividades dentro de casa (no máximo lá embaixo, no playground do prédio) para protegê-lo dos riscos da rua. Encher-se de aflição ao deixar o pequeno em uma festinha. Não é exagero: as mães brasileiras estão entre as mais preocupadas do mundo – 65% delas reconhecem que, por causa de suas próprias ansiedades, não deixam os filhos brincar fora de casa. Elas só perdem em aflição para as mães turcas (83%), de acordo com uma pesquisa da Unilever feita com 1 500 mães de meninos e meninas de 1 a 12 anos, de dez países – de Estados Unidos, Inglaterra e França a Turquia, Índia e Tailândia. Do temor de seqüestros e assaltos ao simples medo de o filho se machucar, as brincadeiras ao ar livre são um tormento para as mães brasileiras. Mas elas vivem um dilema: embora evitem que seus filhos brinquem fora de casa, reconhecem que o contato com outras crianças, as atividades na rua e a independência são fundamentais para o crescimento saudável deles. Segundo o levantamento, sete em cada dez se preocupam com o fato de que os pequenos passam muito pouco tempo brincando fora. "A criança está sendo privada da oportunidade de brincar, de se divertir, de aprender a partir da própria curiosidade", escreveram os autores do estudo, o professor de psicologia Jerome Singer e a pesquisadora Dorothy Singer, ambos da Universidade Yale, nos Estados Unidos.

A insegurança das mães brasileiras, bem acima da média global, que é de 48%, é compreensível. Brasil, África do Sul e Índia estão entre os dez países com as mais altas taxas de seqüestro. Nas principais capitais brasileiras, onde o índice de furtos, roubos e assassinatos é altíssimo, a conseqüência mais evidente é o pânico da exposição. Mas há um limite de razoabilidade para esse tipo de preocupação. Pais excessivamente protetores geram crianças ansiosas e inseguras. Não se trata, obviamente, de deixar os pequenos soltos na rua, sem nenhuma supervisão. O problema hoje é que muitos pais, sob o argumento de que o mundo é extremamente violento, nem mais permitem a seus filhos atravessar a rua sozinhos ou andar de ônibus. "A criança precisa enfrentar a vida, com todas as suas vicissitudes. Do contrário, corre o risco de ficar extremamente dependente", diz a psicopedagoga Maria Angela Barbato Carneiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O mesmo vale para o temor generalizado de que as crianças se machuquem quando brincam fora de casa. Convenhamos, afastá-las do risco ou optar pelo playground com piso emborrachado não as estimula a se defender dos perigos. "Eliminar do desenvolvimento infantil a brincadeira livre e descompromissada prejudica o desenvolvimento físico e intelectual dessas crianças", afirma Maria Angela.

Digital Vision/Getty Images/Royalty Free
Diversão ao ar livre em um parquinho europeu: tranqüilidade só mesmo para as mães do Primeiro Mundo

Porque seus filhos brincam menos, uma em cada seis mães tem receio de que as crianças de hoje sejam privadas de sua infância. No Brasil, 86% das mães têm essa preocupação. "Embora eu tenha tido uma infância bastante diferente e livre, no interior de São Paulo, não deixo minhas filhas brincarem na rua", conta a empresária Neusinha Farina, de 36 anos, mãe de três meninas de 10, 8 e 3 anos. "Prefiro os parques fechados, onde elas ficam mais seguras. É a realidade delas", afirma. Há ainda outro tipo de preocupação materna que também ajudou a alçar as brasileiras às posições de liderança: o medo de o filho adoecer, contraindo vírus e bactérias pela convivência com outras crianças. E eis aqui um contra-senso. Cerca de 70% das brasileiras ouvidas consideram que sujar-se e entrar em contato com vermes é uma experiência valiosa para os pequenos. Ainda assim, elas evitam os espaços públicos. Brincar com terra, areia e água, ao contrário do que muitas mães imaginam, torna o sistema imunológico das crianças mais resistente. Além disso, como bem reconhecem as mães entrevistadas nesta pesquisa, brincar em parques e praças é a atividade que melhor proporciona a formação de vínculos com o filho.

Como a aflição materna influi diretamente na quantidade de tempo que os filhos passam dentro de casa, é inevitável que isso acabe por colocá-los diante de um aparelho de televisão. Desde muito cedo, eles se tornam dependentes de TV, vídeos e computadores. Oito em cada dez mulheres relatam que seus filhos vêem televisão com freqüência – especialmente se as crianças forem maiores, entre 7 e 12 anos. Não se trata de condenar esse tipo de atividade. Mas o ideal, dizem os especialistas, é que o passatempo se resuma a cerca de uma hora por dia. Bem menos do que a média atual dos meninos e meninas brasileiros, que passam três horas e meia diárias colados a uma tela. Esse problema é ainda maior em famílias com poucas crianças – quanto mais filhos em casa, mais eles brincam fora, mostra o estudo. Por fim, a falta de tempo das mães é, ao lado da questão da segurança, o maior obstáculo à brincadeira dos filhos. "As mulheres, de forma geral, são muito sobrecarregadas. Além das pressões externas, existem os conflitos internos, como o pouco tempo para se envolver com os filhos", escreveu o casal Singer. Quem paga a conta dessa sobrecarga são as crianças.






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