Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 17, 2007

Luiz Garcia - Nas mãos de Fu Manchu




O Globo
17/8/2007

Lá no século passado, dois romancistas ocidentais ficaram famosos escrevendo sobre a China. Pearl Buck chegou a ganhar um Nobel contando histórias de famílias chinesas heróicas e sofredoras.

Numa faixa mais popular, Sax Rohmer explorou o vilão Fu Manchu, de longos bigodes e compridíssimas unhas, símbolo perfeito do mal.

Os dois autores estão esquecidos. Caso contrário, milhões de mães ocidentais diriam hoje que a China é um país de Fu Manchus.

Brinquedos chineses, fabricados a toque de caixa por operários miseráveis, são, no momento, causa da indignação do resto do mundo. Principalmente nos Estados Unidos, onde 80% dos brinquedos vendidos são importados da China. Há pouco tempo, descobriu-se que a tinta usada em muitas peças incluía o venenoso chumbo. E, nos últimos dias, o escândalo foi em torno de brinquedos magnéticos, com ímãs. Descobriu-se que eles podiam se soltar, e as crianças podiam comê-los.

Segundo especialistas, comer um pequeno ímã não faz mal, mas, se a criança engolir dois eles podem se atrair, com perigosas conseqüências. Os médicos sabem do que estão falando, mas o cenário parece um pouco surrealista. Imaginemos uma mãe contando vantagem: "O Joãozinho é muito cuidadoso: só engole o segundo imã depois de se livrar do primeiro".

Mas não é caso para graçolas. Ainda mais no Brasil, onde o recolhimento de produtos defeituosos não tem a eficiência dos Estados Unidos. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, as indústrias brasileiras são lentas e burocráticas demais no atendimento de queixas: a troca de um produto defeituoso, que é quase instantânea nos EUA, aqui pode levar até 45 dias.

Há promessas - que não são recentes - de mais agilidade. Enfim, é bem possível que o problema leve tempo demais para ser eliminado na ponta de cá do fluxo comercial.

O perigo nasce na China e lá, em tese e princípio, deveria começar a ser combatido. Acontece que o comunismo local - tentativa, no entusiasmo e no murro, de adaptação do pensamento marxista às características de uma sociedade com 1,3 bilhão de indivíduos, algo sem paralelo na história da Humanidade - literalmente ignora qualquer forma de respeito pelos direitos do cidadão.

Todos os esforços de modernização e de relacionamento político e comercial com o resto do mundo até hoje não eliminaram esse dado. Sequer abrandaram suas conseqüências.

Num quadro assim, deve-se falar com absoluta clareza: quem compra produtos manufaturados da China não pode ignorar os riscos que corre.

No caso dos brinquedos perigosos, parece óbvio que, se não surgirem vítimas, o problema será esquecido rapidamente. Até agora, o que é bastante sintomático, a única reação concreta de Pequim ao alarme em outros países foi a proibição da entrada na China de um biscoito ocidental, anunciada quarta-feira.

Pelo visto, num Estado que levaria Pearl Buck às lágrimas, o controle de qualidade está firmemente nas mãos do velho Fu.

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