Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 18, 2007

História Os ataques nazistas aos navios brasileiros

Massacre no Atlântico

Livro detalha a campanha de Adolf Hitler
contra os navios brasileiros na II Guerra


Marcelo Bortoloti

Divulgação Objetiva
Militares cuidam da segurança de navio mercante e a última imagem do Baependi: perigo no mar
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Trecho do livro

O Brasil na Mira de Hitler, do jornalista Roberto Sander, que a Editora Objetiva lança neste mês (256 páginas, 33,90 reais), é o primeiro livro a ocupar-se inteiramente dos ataques de submarinos alemães contra navios brasileiros durante a II Guerra Mundial. Ele narra em detalhes a ofensiva naval alemã contra um Brasil ainda neutro na guerra – ofensiva que continuaria até quase o fim da guerra na Europa. Entre 1941 e 1944, os submarinos torpedearam fatalmente 34 navios mercantes brasileiros, matando 1.081 pessoas, mais do que o dobro dos militares da Força Expedicionária Brasileira mortos em combate na Itália. Até que Sander se interessasse por eles, os detalhes dos sangrentos episódios eram desconhecidos do grande público. O jornalista revirou os arquivos da época para recontar a história. Uma noite, a de 15 de agosto de 1942, foi especialmente terrível no mar.

O navio Baependi foi torpedeado a 30 quilômetros da costa nordestina, quando navegava do Rio de Janeiro para o Recife. Eram 7 horas da noite e muitos passageiros valsavam no salão de baile. A festa acabou quando dois torpedos disparados pelo submarino alemão U-507 explodiram o casco e levaram o Baependi a pique em três minutos. Em um procedimento usual nesses ataques, o U-507 emergiu depois do ataque, examinou os destroços e voltou às profundezas. Foi um golpe preciso e brutal contra um país que ainda se declarava neutro na guerra. Das 306 pessoas a bordo, apenas 36 conseguiram se salvar. Todas as crianças morreram. Era o início da noite mais sangrenta da história do Brasil no século XX. "Ouvia gritos terríveis. Eram homens, mulheres e crianças que se afogavam em torno de mim", disse, na ocasião, o capitão do navio, Lauro Moutinho, um dos poucos sobreviventes. O Baependi foi o 15º alvo dos u-boats do III Reich. Não foi o único da noite sangrenta.

Duas horas mais tarde, um novo clarão surgiu no horizonte. O mesmo U-507 bombardeava outro navio brasileiro, o Araraquara. O ataque foi tão rápido que ninguém conseguiu retirar nem os equipamentos de segurança antes que o navio afundasse. Em meio à escuridão completa, o mar furioso arrastava os náufragos com violência. Das 142 pessoas a bordo, somente onze, agarradas aos destroços, sobreviveram. Às 4 horas da manhã, o U-507 completaria a matança daquela noite, botando a pique o navio Aníbal Benévolo, que navegava a pouco mais de 10 quilômetros da costa. A maior parte dos passageiros estava dormindo. Todos morreram afogados, incluindo dezesseis crianças. Em menos de dez horas, um único submarino nazista matou 551 brasileiros, a maioria civis. O episódio precipitou a entrada do país na II Guerra.

Quando as notícias da razia feita pelo U-507 chegaram ao Rio de Janeiro, então capital da República, já havia um clima crescente de hostilidade contra os nazistas. A hostilidade logo se transformaria em ódio. A ditadura de Getúlio Vargas tinha rompido relações diplomáticas com a Alemanha de Hitler em janeiro de 1942 – menos de oito meses antes do ataque da madrugada de destruição promovida pelo U-507. O Brasil fornecia tungstênio, cristal de quartzo, borracha e outras matérias-primas à indústria bélica americana. Os Estados Unidos tinham o direito de usar uma base aérea na cidade de Natal. Mas oficialmente o Brasil era um país neutro. Hitler retaliou de maneira desproporcional dando ordens de atirar à vontade ao U-507. Sob o comando do capitão-de-fragata Harro Schacht, de 34 anos, ele cumpriu com perfeição a missão de destruir os navios que encontrasse em sua rota. No dia seguinte ao ataque, 12.000 estudantes saíram às ruas no Rio de Janeiro exigindo que o Brasil declarasse guerra. Estabelecimentos de alemães foram depredados. Vargas fez um discurso inflamado falando em "punição exemplar" para os agressores. Dias depois, o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália.

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Um dos submarinos da frota de Hitler: 34 navios brasileiros torpedeados na II Guerra

A se fiar no livro de memórias do alemão Hermann Rauschning, o führer chegou a dizer que pretendia edificar no Brasil uma nova Alemanha. Rauschning, senador do partido Nazi, que depois viria a renegar, não é, porém, fonte confiável. Suas conversações com Hitler, dadas por ele como confidências íntimas, não passaram de diálogos rápidos trocados nos palanques das espetaculares apresentações públicas dos nazis. Morto em 1982, Rauschning foi desmascarado por diversos historiadores. Mas é fora de dúvida que as pretensões de dominação mundial da Alemanha de Hitler não permitiam ignorar o Brasil. Quando o alinhamento com os aliados se tornou inevitável, o Brasil passou a ser visto como inimigo pelos alemães. O Nordeste, situado na cintura do Atlântico, era uma base de apoio fundamental para os aliados atingirem o continente africano e também uma porta de entrada para os nazistas quando fosse conveniente e possível invadir as Américas. Cerca de 150.000 alemães moravam no Brasil e, como em toda parte, alguns poucos atuaram como espiões. Até o fim da guerra foram presos 100 deles. Eficientes espiões, eles informaram com precisão o destino e a carga de cada embarcação que saía do Brasil, facilitando o trabalho dos submarinos.

Com ordens de interromper no Atlântico as linhas de abastecimento para as ilhas britânicas, os alemães afundavam os navios sem distinção de bandeira. Essa era, então, a prioridade estratégica dos militares alemães. Entre o começo de 1942 e meados de 1943, os submarinos alemães, construídos ao ritmo de duas dezenas por mês, afundaram em navios mercantes, especialmente americanos e canadenses, o equivalente a 7 milhões de toneladas de carga. Em novembro de 1942, o mais cruel dos meses, foram afundadas quatro embarcações por dia. O ataque ao navio brasileiro Cairu, em março de 1942, próximo à costa americana, foi especialmente dramático. Vinte sobreviventes passaram quatro dias à deriva em um bote salva-vidas, enfrentando o mar revolto, a chuva forte e temperaturas abaixo de zero. No segundo dia, o primeiro brasileiro morreu congelado. Nos dois dias seguintes, mais nove dos embarcados morreram de frio. Suas roupas eram retiradas para aquecer os sobreviventes e os corpos, jogados na água. Dez marujos foram resgatados com vida. A notícia causou enorme comoção no Brasil, e o governo prometeu que os navios mercantes brasileiros só iriam ao mar com escolta. A decisão, é claro, demorou a ser cumprida. No fim de 1942, quando as embarcações americanas já andavam em comboio e escoltadas, a frota brasileira ainda era um alvo fácil. A perda de vidas brasileiras, segundo alguns historiadores, foi grande também porque era hábito permitir que passageiros civis, militares e cargas estratégicas viajassem lado a lado nos mesmos navios.

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