Golpe baixo

EDITORIAL

O Globo

10/8/2007

O governo brasileiro continua devendo à sociedade uma boa explicação sobre o final do episódio da deserção de dois campeões cubanos de boxe durante o Pan do Rio. O que chamou a atenção foi a celeridade com que as autoridades brasileiras repatriaram os dois pugilistas no dia 11, depois de sua prisão em Araruama no dia 9. Erislandy Lara, de 24 anos, campeão mundial até 69kg e capitão da equipe cubana de boxe, e Guillermo Rigondeaux, bicampeão mundial e olímpico até 54kg, abandonaram a vila do Pan no dia 22 de julho e desapareceram. A partir daí sua história se torna confusa. Envolve um representante de uma firma alemã, que os teria aliciado para lutas no exterior; a constatação, alegada pelos pugilistas, de que estariam gordos para disputar o Pan; seu desejo de comprar eletroeletrônicos; e a prisão numa pousada em Araruama, com pessoas supostamente ligadas ao empresário e três prostitutas. Causa espécie que: 1) tenham sido interrogados mesmo contando com visto de turista, que permite a permanência no país por até 90 dias; 2) não tivessem a Polícia Federal e o Ministério da Justiça o cuidado de facilitar o contato dos cubanos com órgãos internacionais de proteção a refugiados e com a imprensa; 3) não lhes tenha sido dado o mesmo tratamento concedido a outro cubano que preferiu abandonar sua delegação no Pan, Rafael Capote, jogador de handebol, deixado livre pela polícia; 4) tenha sido quebrada a longa tradição do Brasil no acolhimento de exilados -- sem importar sua ideologia, de militantes esquerdistas a ditadores de direita. Mas, ainda que o desfecho do caso fosse o mesmo, com a volta dos dois a Cuba - eles não pediram refúgio no Brasil ou não lhes foi permitido pedir - a pressa com que foram devolvidos justifica as suspeitas de que amigos brasilienses de Fidel Castro entraram em ação, deixando o governo brasileiro com a imagem de que agiu como braço auxiliar da ditadura cubana. As declarações de Fidel sobre os dois lutadores são claras. Ele os comparou a "soldados que abandonam seus companheiros no meio do combate". Serão punidos, e sabe-se bem o que isso significa em se tratando do regime cubano.