Me pergunto se Lula está mesmo disposto a deixar o governo ao fim de seu segundo mandato |
Houve um momento em que as pesquisas indicaram uma grande perda de prestígio do presidente da República. Foi no auge da crise do mensalão, quando o PT se cindiu e muitos petistas choraram no plenário da Câmara, envergonhados com o escândalo da compra de votos, dos dólares na cueca, das falcatruas no Banco do Brasil. A impressão que se tinha é que Lula e seu partido iam naufragar.
Não naufragaram. Embora as safadezas fossem evidentes e o próprio procurador-geral da República tenha apresentado denúncia ao Supremo Tribunal Federal, todos se safaram: Lula foi reeleito e o PT aumentou sua representação na Câmara Federal.
Não sei que conclusão tirar disso. As hipóteses são muitas e a pior delas é que o povo aceita a corrupção como fator inerente à política. É verdade, porém, que o eleitorado petista, fiel a seus líderes, confia neles cegamente e crê que todas as acusações são mentiras dos adversários.
Deve-se acrescentar a isso, especialmente no caso de Lula, o pesado investimento nos programas sociais, somado aos bons resultados da economia. O fenômeno se repetiu agora, após o apagão aéreo, que não abalou em um milímetro sequer o apoio do povo ao presidente. E com a agravante da tragédia que comoveu a nação, depois que Marta Suplicy e Guido Mantega tentaram fingir que a crise não existia. Parece verdade que, em Lula, nada pega.
Por isso mesmo, causou espanto a vaia no Maracanã, na abertura do Pan. Lula, convicto de sua popularidade, acusou o golpe, mas, imediatamente, os petistas levantaram a tese da conspiração, embora seja difícil acreditar que alguém possa levar 70 mil pessoas a vaiarem um presidente que elas amem. Lula e o PT sabem disso, mas não podem admiti-lo.
A tese da conspiração é conveniente, já que visa tornar ilegítima toda e qualquer manifestação popular contra Lula que, logo em seguida, forçando uma identificação com Vargas e Jango, sugeriu haver um golpe em marcha para pô-lo abaixo e ameaçou chamar o povão às ruas.
São fatos que causam preocupação. Confesso que estou sempre me perguntando se Lula está mesmo disposto a deixar o governo ao fim de seu segundo mandato. E não sou o único a se preocupar com isso. Quando o presidente era Sarney ou Itamar ou Fernando Henrique, ninguém supôs que eles armariam um golpe para continuar no poder. Mas Lula nos faz pensar nisso, por quê?
São várias as razões e a primeira delas é o fato de que ele se tem como o único verdadeiro representante do povo, vindo do povo, após 500 anos de história. Essa convicção contraria a hipótese de que tenha de deixar o governo. E para quê? Sair pelo mundo a fazer conferências não é a dele. Vai ficar em São Bernardo administrando as crises do PT? Ele deve se perguntar isso a cada noite, quando pousa a cabeça no travesseiro, antes de adormecer.
Aventam-se várias alternativas: Lula participaria da campanha para presidente em 2010, iria para os palanques com um candidato do PT ou, na ausência dele, apoiaria o nome de algum outro partido aliado, talvez do PMDB. Só que esse nome não existe, nem no PT nem nos outros partidos da base do governo. Marta se queimou e, se Nelson Jobim resolvesse o caos aéreo, Lula faria dele o candidato? Custa-me acreditar, e não creio que o PT aceite a vice-presidência em qualquer chapa que se monte. Digam o que disserem, o único partido em que Lula confia é o PT, no qual manda e desmanda. Só a eleição de um petista lhe garantiria a volta à presidência da República em 2014.
Se a situação é essa, como ficam ele e seu partido? Alguém imagina o PT e o Lula de novo na oposição, pregando bravatas e o respeito à ética? A cigana, quando leu para eles o futuro, nas cartas, só disse que um dia chegariam ao poder, mas não que teriam de deixá-lo.
Não posso adivinhar o que se passa na cabeça de Lula, mas não é de todo impossível que ele culpe a lei eleitoral por não contar com a vinda do salvador da pátria e, por isso, não permitir que ele se mantenha no poder indefinidamente. Em time que está ganhando não se mexe, dirá ele, valendo-se da filosofia futebolística, em que é doutor. Espero que não lhe dê na veneta chamar o povão às ruas para obrigar o Congresso a mudar a lei. Espero que se lembre de que treino é treino e jogo é jogo.
Em tempo: Na crônica passada, em lugar de "não cogitava disso", que é a forma certa, saiu "não cogitava isso", que, além do mais, é feio.