Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 14, 2007

Dora Kramer - De penas para o ar




O Estado de S. Paulo
14/8/2007

Aparentemente, está tudo bem na seção paulista - a primeira e quase única - do PSDB. Geraldo Alckmin aparece na pesquisa do Datafolha em primeiro lugar na preferência do eleitorado e, portanto, não há mais o que discutir: é ele o candidato dos tucanos à Prefeitura de São Paulo em 2008, perfeito?

Nada mais imperfeito. Não obstante as declarações oficiais de exaltação à unidade partidária, o ambiente nas internas é de briga de foice no escuro.

Muito parecido com o clima vigente às vésperas da definição do candidato à Presidência da República em 2005/2006. O que não foi resolvido às claras lá volta a influir de forma nebulosa nas decisões cá.

A despeito de ter a preferência de 40% dos eleitores, Serra deixou a indicação para Alckmin (com menos da metade das intenções de voto) e saiu de lado para a disputa pelo governo de São Paulo por temer que a briga interna de São Paulo terminasse condenando à morte uma candidatura não tão garantida assim pela resistência do oponente Luiz Inácio da Silva.

Naquela altura, Geraldo Alckmin, governador, tinha nas mãos a máquina do Estado. Serra tinha a da prefeitura, para a qual havia sido eleito em 2004. Mas, em matéria de poder de destruição, avaliou, Alckmin estava em vantagem.

Hoje o quadro é favorável a Serra. Alckmin tem apoios na bancada federal no Congresso, reúne aliados fora de São Paulo, mas, no que concerne à disputa municipal, está emparedado: Serra tem o governo e a prefeitura na pessoa de Gilberto Kassab.

Quando Kassab diz que não haverá dois palanques na disputa e que a aliança Democratas-PSDB será mantida, não está admitindo a possibilidade de vir a apoiar Geraldo Alckmin.

Está, antes, querendo dizer que a máquina municipal não se moverá em apoio a outro candidato que não seja ele mesmo, Kassab. Está falando também sobre vários aliados de Alckmin que foram mantidos nos cargos e que não veriam vantagem alguma em perdê-los.

Fala, inclusive, sobre os muitos petistas servidores municipais que não fariam nenhum movimento em favor de Kassab, mas, no caso de Alckmin ser o candidato, não seriam, digamos, instados a observar o princípio da impessoalidade no tocante à candidatura do PT.

Parecem termos um tanto fortes e espinhosos? Pois é exatamente nesses termos que o assunto é tratado. Disciplinado, Kassab não fala sozinho: é corroborado pelo grupo do governador José Serra, cuja animosidade em relação a Alckmin supera qualquer hostilidade para com o PT. Justiça se faça, a recíproca é absoluta e completamente verdadeira.

Na sala de visitas, todos se comportam muito bem. Não chegam a trocar elogios, é verdade, mas são sóbrios. Em outros compartimentos não tão visíveis, porém, ambos os grupos dão vazão a sentimentos mais sinceros e só não se qualificam mutuamente de “bonitinhos”.

É impossível dizer o que esse cenário de animosidades produzirá. Seja em matéria de malefícios aos projetos do partido, como ocorreu em 2006, seja em termos de desempenho eleitoral ou mesmo na escolha do candidato.

Por ora, vale o registro de que a calmaria é daquelas que antecedem as tempestades e a comparação desse quadro de subterfúgios e sorrisos de faca nos dentes com a situação retratada em um conto de 1930 da escritora americana Dorothy Parker.

Descreve o diálogo de Peter, acordando de um pileque monumental, com uma amiga, solícita na formalidade de tranqüilizá-lo e ao mesmo tempo ferina na intenção de revelar pouco a pouco o vexame da noite anterior.

- Eu me comportei mal ontem? - pergunta Peter.

- Deus do céu, claro que não. Jim ficou um pouco bravo com você durante o jantar, você sabe como ele fica quando pensa que alguém está dando em cima de Elinor.

- Eu estava dando em cima de Elinor?

- Você estava só brincando. Ela achou você imensamente divertido, só parou de rir um pouco quando você despejou as “lulas em su tinta” no decote dela.

- Cometi mais alguma façanha no jantar?

- Não seja tolo, todo mundo estava louco por você. O maître ficou um pouco aborrecido porque você não conseguia parar de cantar, mas, no fundo, não se importou. Só disse que talvez a polícia fechasse de novo o restaurante, mas até gostou de ver como você estava se divertindo.

- Quer dizer que eu cantei...

- Uma música atrás da outra. Foi uma maravilha.

- Eu jantei?

- Toda vez que o garçom vinha servi-lo você devolvia o prato dizendo que ele era seu irmão postiço, trocado no berço por uma quadrilha de ciganos, e tudo o que você tinha pertencia a ele.

- E depois, saí andando?

- Claro que sim! Você estava perfeitamente bem. Tanto que, quando você tropeçou e caiu sentado no meio-fio, ninguém se importou. Poderia ter acontecido com qualquer um.

O conto faz parte do livro Big Loira e Outras Histórias de Nova York e chama-se Você Estava Ótimo.

Os tucanos estão ótimos. Os petistas também. Marta Suplicy disse ontem que Aloizio Mercadante é um “ótimo” senador.


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