O governo poderia se perguntar: por que Cuba
não tem pescadores nem velejadores oceânicos?
Ronaldo Soares
Adalberto Roque/AFP |
Rigondeaux: ameaças à família e ajuda da PF não o deixaram esquivar-se de Fidel |
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A repatriação dos boxeadores de Cuba Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, no dia 4, contraria uma tradição cara à diplomacia brasileira. O país sempre se notabilizou pela imparcialidade nas questões internacionais e pela disposição de ajuda aos refugiados. Isso foi desconsiderado quando a Polícia Federal, em menos de 48 horas, os colocou a bordo de um avião de volta a um país onde os direitos civis dependem do humor do ditador e onde dissidentes são presos e fuzilados por tentar escapar do país. Premidos por ameaças aos direitos e à segurança de suas famílias, eles não tiveram outra saída senão desistir de lutar por sua liberdade. Jovens que vivem sob regime ditatorial, e com as dificuldades de quem não domina o idioma, tendem a se intimidar quando se vêem diante de agentes de um governo que mantém relações mais que diplomáticas com Cuba. Não houve tempo sequer para que entidades de direitos humanos pudessem oferecer-lhes ajuda. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público Federal, que estavam acompanhado o caso, não foram avisados da repatriação. Disse a VEJA o procurador federal Leonardo Costa: "Fomos surpreendidos com a rapidez do desfecho. Foi desastroso".
Reuters |
Fidel, o capataz decrépito: Cuba não passa de uma fazenda dele |
Era evidente que os atletas pretendiam escapar da ditadura cubana. Eles se desligaram da delegação antes de disputar sequer uma luta dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. "O fato de terem abandonado a delegação era um sinal objetivo de que queriam asilo político", diz José Miguel Vivanco, da ONG Human Rights Watch. Em todos os jornais e revistas, reportagens mostravam com clareza que já havia um acerto entre os boxeadores e a academia Arena Box Promotion, de Hamburgo, na Alemanha. "Tratou-se como caso de polícia uma questão que evidentemente era diplomática", afirma o deputado federal Fernando Gabeira. O Itamaraty não foi acionado. Para o ex-ministro brasileiro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampréia, o ato do governo foi "vergonhoso". A diplomacia perdeu. Mas a perda maior terá sido sempre a dos dois atletas cubanos. No mundo do boxe, as possibilidades de melhorar de vida para quem ostenta duas medalhas olímpicas e um campeonato mundial são muito boas. Nada mais natural do que buscar a melhoria material. Fosse Cuba um país, e não uma fazenda dirigida por um capataz decrépito e ditatorial, os pugilistas cubanos poderiam também usar o talento para melhorar sua vida e a de sua família. Antes de repatriarem os atletas de Cuba, as autoridades brasileiras deveriam ter parado para pensar e responder a uma única pergunta: por que Cuba não tem iatistas nem pescadores oceânicos? Se pudessem responder, saberiam que estavam devolvendo a dupla de pugilistas a uma prisão.