Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 18, 2007

Bombeiros fazem falsas blitze para assaltar

A lei pelo avesso

O incrível caso dos bombeiros flagrados
em assalto nas ruas do Rio de Janeiro


Ronaldo Soares

Fotos Fábio Motta/AE
Marcelo Alves é atacado pelos bombeiros assaltantes Tito Lívio e Antônio: os mocinhos eram bandidos


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O cidadão que se vê algemado nas fotos acima é o empresário Marcelo Alves, dono de uma casa de câmbio no Rio de Janeiro. Não é um bandido, embora esteja sendo preso. Quem o abordou foram dois homens vestidos de policiais. Eles se chamam Tito Lívio Franco e Antônio Lázaro Franco. Não eram policiais. Ambos têm a patente de cabo no Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, mas, na prática, são bandidos. É mesmo difícil de entender. Trata-se de uma absoluta inversão de papéis. A cena inusitada se deu durante uma tentativa de seqüestro, no bairro da Barra da Tijuca. Tito e Antônio emboscaram o empresário de forma meticulosamente planejada. Primeiro, simularam uma compra de dólares, fazendo-se passar por funcionários de uma concessionária de automóveis. Cuidaram para que os dados passados ao telefone pudessem ser checados. Usaram até o nome de um vendedor da agência. Ao chegar ao local, Alves descobriu que se tratava de um trote. Tentou voltar rápido para seu escritório, quando foi interceptado. Os bandidos queriam seqüestrá-lo, para roubar os 30.000 reais que carregava com ele. Alves tentou reagir e foi ameaçado de morte. Sua salvação foram as fotos acima, feitas pelo fotógrafo Fabio Motta, do jornal O Estado de S. Paulo. Ao perceberem que estavam sendo fotografados, os bandidos fugiram levando o dinheiro, mas graças às fotos eles puderam ser reconhecidos e presos.

A cena cinematográfica ilustra o estado de fragilidade da gestão de segurança pública no Rio de Janeiro – herança de décadas de desgoverno –, problema que, em graus diferentes, se disseminou por todas as grandes cidades brasileiras. Até a semana passada não havia uma imagem que definisse tão bem essa calamidade. A infiltração de bandidos nas forças policiais e nas corporações militares de forma geral criou um nível de contaminação tão alto que não é fácil distinguir os agentes da lei dos bandidos. E o contrário também é verdade. Bandidos vestidos de policiais passaram a atacar os incautos, em falsas blitze organizadas à luz do dia. Criou-se uma insegurança camaleônica. Em levantamento realizado no ano passado pelo Núcleo de Pesquisa das Violências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 9,9% dos moradores do município do Rio com mais de 15 anos disseram ter sido vítimas de extorsão praticada por policiais. E não é só no Rio. A Polícia Civil de São Paulo já afastou, neste ano, 45 policiais por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis. Em outra operação, também em São Paulo, um bombeiro e um PM foram presos com uma quadrilha que roubava prédios e caminhões. Os dois cediam suas fardas para que os comparsas entrassem nos imóveis e parassem caminhões na estrada.

"Está faltando comando disciplinar nas unidades. Não adianta ter uma corregedoria rigorosa, se a tropa fica abandonada", diz o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. A agilidade na punição a policiais infratores foi fundamental para cidades como Nova York e Bogotá reduzirem os índices de violência. No Rio de Janeiro, um policial que comete um crime leva dois anos para ser expulso. Em São Paulo, seis meses. Os brasileiros não podem continuar sua espera sem fim pela limpeza de suas corporações policiais.

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