Augusto Nunes
No tom de voz que identifica um Conselheiro Acácio dos grotões, o presidente Lula vive ensinando que não se deve julgar ninguém precipitadamente. Muita calma nessa hora, declama a mesma garganta que, nos tempos de puxador de samba-enredo do PT, dividia entre criminosos e suspeitos o mundo além do território companheiro. Toda condenação precisa amparar-se em provas e evidências contundentes, recita o governante incapaz de distinguir o som de uma sinfonia do ruído do maçarico arrombando o cofre na sala do lado.
Irretocavelmente afinados com o Executivo, tanto o Legislativo quanto o Judiciário não perdem chances de mostrar que sabem agir sem pressa. O Senado, por exemplo, tem esbanjado prudência desde 26 de maio, quando uma reportagem da revista Veja informou que o lobista de uma empreiteira andara cuidando de despesas pessoais de Renan Calheiros.
Ao estrondo dessa primeira trovoada sobreveio uma seqüência de raios tremendos. Mas os senadores ainda não decidiram, passados três meses, se o que desabou sobre Renan Calheiros é garoa ou tempestade. E continuam tratando como questão política um genuíno caso de polícia.
Nestes 90 dias, constatou-se que o terceiro homem na linha de sucessão presidencial mentiu descaradamente, fraudou documentos, favoreceu empresários em troca de patrocínio eleitoral, lesou a Receita Federal, negociou rebanhos imaginários, ganhou milhões com laranjais suspeitíssimos - fez o suficiente, enfim, para ser transferido, sem escalas, da presidência da Mesa para o banco dos réus. Para os investigadores amigos, é pouco.
Pelo andar da carruagem, Renan representará o Senado nos festejos do 7 de Setembro. A alma penada estará arrastando correntes no palanque de Lula, que há três meses mantém estendida a mão sempre ao alcance dos delinqüentes de estimação. Pais da pátria em perigo são muito solidários.
O parlamentar alagoano acredita que tão cedo não cairá do trapézio em que segue pendurado no Legislativo. E sabe que, se a queda vier, terá o amparo das redes costuradas pelo Supremo Tribunal Federal para impedir a chegada ao chão (e ao catre) da bandidagem vip. O deputado Paulo Maluf, por exemplo, ali se aloja há quase 30 anos. Nesta semana, para espanto do país, pareceu balançar perigosamente. Mas não caiu.
Na terça-feira, o STF confirmou uma sentença do Superior Tribunal de Justiça, emitida em 1997, que condena o veterano campeão a devolver aos cofres de São Paulo a quantia de U$ 250 mil. Seria esse o tamanho do prejuízo causado pela Paulipetro, empresa que o então governador do Estado inventou no fim dos anos 70. Para alguém habituado a mover-se no pântano dos milhões, isso é troco. Mas Maluf nunca foi de jogar dinheiro fora. E resolveu recorrer.
Os brasileiros descobriram só agora que a última instância do Judiciário nem sempre é a última instância do Judiciário. Há sempre um recurso a apresentar, eventualmente ao próprio STF. Há sempre um truque que adia a hora do castigo. Há sempre um drible que permite ao artista contornar a cadeia. A Paulipetro acabou, a ditadura acabou, a eleição indireta acabou. A impunidade continua. Maluf continua por aí. Renan continua na presidência do Senado. Pode até perder o cargo. Não perderá o direito de ir e vir. Tampouco a fortuna.
O Supremo sempre foi lento. De alguns anos para cá, parece cada vez mais misericordioso.