Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 01, 2007

AUGUSTO NUNES A sagração da mentira


"O avião decolou de Porto Alegre em perfeitas condições", jurou já na noite da tragédia o presidente da TAM, Marco Antônio Bologna. Mentia: logo se descobriu que o reversor direito fora desativado depois de descoberto um defeito na peça. "O Airbus-330 pode voar 10 dias sem um dos reversores", não perdeu a pose Bologna. Mentia: dias mais tarde, tanto a empresa fabricante quanto a TAM determinaram a todos os pilotos que só decolassem se ambos os reversores estivessem funcionando normalmente.

Bologna é um ator aplicado. Na véspera da missa em memória dos 200 brasileiros massacrados em Congonhas, recorreu aos serviços de um especialista em primeiros socorros a empresários lanhados por escoriações generalizadas. Cenas explícitas de desconsolo ajudam muito, reiterou o conselheiro. Disciplinado, o presidente da TAM chorou durante a cerimônia. "Lágrimas de esguicho", diria Nelson Rodrigues.

Tão verdadeiras quanto uma cédula de 3 reais. Tão verossímeis como a hemorragia no coração presidencial. Tão convincentes quanto a discurseira federal que precedeu a explosão no aeroporto paulista e a ela sobreveio. Iluminada por labaredas que resistiam aos bombeiros e ao temporal, a procissão dos mentirosos seguiu seu curso.

"Não existe crise aérea", disse em junho Milton Zuanazzi, presidente da Agência Nacional da Aviação Civil. Mentia: o colapso da aviação civil escancarou-se em outubro passado. Assustado com as dimensões do acidente, eximiu-se de culpas. "A Anac até ajudou a reduzir a movimentação de aeronaves em Congonhas", recitou. Mentia: reduzido a despachante da TAM e da Gol, Zuanazzi transformou o aeroporto numa terra sem lei explorada pelo duopólio dos ares.

"A pista principal voltou a ser utilizada depois de concluídos todos os reparos indispensáveis", garantiu o brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero. Mentia: faltava o grooving, o asfalto carecia de ranhuras que apressam o escoamento da água da chuva. "E a pista não estava escorregadia", reincidiu. Mentia: conversas gravadas atestaram o desconforto de pilotos e controladores com os riscos do pouso no solo molhado.

"Nunca me contaram isso", fingiu espantar-se Lula ao ouvir de Nelson Jobim, substituto de Waldir Pires no ministério-fantasma, informações que denunciavam uma aviação civil em frangalhos. O presidente mentia: desde 2003, minuciosos relatórios da Aeronáutica o alertaram para a acelerada decomposição do transporte aéreo. Só depois de quase 10 meses Lula conseguiu enxergar o apagão. O governo começou a mover-se. Sem parar de mentir.

"Vamos construir um terceiro aeroporto em São Paulo", anunciou a ministra Dilma Rousseff. "Só não digo onde porque o governo não é agente de especulação imobiliária". Mentia: 10 dias depois de concebido, o sonho de Dilma foi pulverizado por Nelson Jobim. Faltam locais adequados nas cercanias de São Paulo. Sobretudo, falta dinheiro.

"Em vez disso, vamos providenciar uma área de escape em Congonhas, ampliar Viracopos e construir a terceira pista em Cumbica", comunicou Jobim. Mentiu. Ele sabe que já não há espaço para tais requintes em Congonhas, ilhado por avenidas e prédios. Sabe que a modernização de Viracopos está condicionada à existência de um trem-bala ligando São Paulo a Campinas. Sabe que quase 25 mil famílias - uma multidão de eleitores - ocupam o local reservado pelo projeto original à terceira pista de Cumbica. Um ministro íntimo de Lula já avisou que o governo não vai tirar essa gente de lá.

Isso é verdade.

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