O pior erro que o governo pode cometer está simbolizado nos gestos grosseiros de Marco Aurélio Garcia e de seu assessor: é comemorar a hipótese do defeito na turbina. O gesto de Garcia confirma o defeito da atitude do governo desde o começo; achar que tudo é uma briguinha política e ter uma visão apenas pontual de cada evento. Tomara que as notícias dadas pelo presidente Lula em seu pronunciamento sejam o começo de um novo tempo
Como disse o gaúcho enlutado Pedro Simon, a culpa é do governo. Ponto. Seja qual for a falha mecânica que, ao fim das investigações, ficar ou não provada.
Fatalidades acontecem em qualquer país. Mas, no Brasil, o que houve foi a reiterada subestimação da crise aérea, a incúria administrativa, erros na alocação dos recursos, colapso gerencial, loteamento político de órgãos estratégicos. Num sistema que não funciona bem, falhas pontuais são mais freqüentes. Onde não há supervisão, fiscalização e regulação adequadas os riscos são maiores. Ao não entender isso, o governo relaxou a cada explicação dada sobre um evento específico e não viu a deterioração generalizada no transporte aéreo de passageiros.
Isso é o que está escrito nos gestos grosseiros de Garcia e de seu assessor Bruno Gaspar.
Não é um desabafo que qualquer “pessoa de bom senso faria”. É a eloqüente informação de que, de novo, o Palácio do Planalto está pensando errado, está avaliando de forma leviana uma crise grave, está numa disputa política, e não no responsável ato de governar o Brasil. É ato de uma pessoa insensata. Não é um desabafo.
Os dois gestos, tanto o de Marco Aurélio quanto o de Bruno Gaspar, são conhecidos por todas as culturas e vencem a barreira das línguas. Todos sabem e entendem o que quiseram dizer. Menos eles, que tentaram dar uma nova definição para os gestos: a da indignação. Tentaram. Ninguém acreditou.
Vamos entender quem fala por gestos na vitrine do Palácio: é o homem de confiança de Lula, com múltiplas funções. É, pelo menos na prática, o ministro das Relações Exteriores para a América Latina e também supervisor da diplomacia brasileira. É o estrategista e ideólogo do Palácio.
É a peça-chave para momentos de crise, como a que houve quando a cúpula do PT foi abatida pelo escândalo do dossiê falso comprado com dinheiro de origem duvidosa. Naquela ocasião, foi ele quem assumiu o PT. Foi o coordenador da campanha eleitoral do segundo mandato.
Não foi gesto impensado, foi revelação de como se pensa no Planalto. Não foi um assessor menor, mas uma peçachave na estrutura de poder da República petista.
Sinceramente compungido, mas atrasado, o presidente ontem lamentou as mortes e se comprometeu a apurar as causas do acidente.
Informou sobre várias providências, que incluem a redução do tráfego em Congonhas e a construção de um novo aeroporto em São Paulo.
Essas medidas vêm atrasadas, mas, de qualquer forma, é importante que tenha, enfim, caído a ficha de que o governo tem a responsabilidade de gerenciar a crise e evitar a reiteração dos erros.
No pronunciamento, o presidente se comprometeu a fortalecer a Anac, a Agência de Aviação Civil. Se quiser cumprir o que disse, tem que começar demitindo todos os indicados políticos. A Anac nasceu para suceder a velha agência reguladora capturada pelo regulado, que foi o DAC. Como o governo errou ao escalar as pessoas para dirigi-la e, diante da comprovação de que eram os nomes errados, manteve-os, a agência foi persistindo nos erros. Se ela é hoje fraca (e, por isso, precisa ser fortalecida) é porque assim o governo quis até agora. O esforço de quebrar a independência das agências, colocá-las na barganha política, retirar seus recursos foi um plano executado com precisão desde o dia em que Lula disse que elas eram a “terceirização do governo”. Não são. As agências independentes no mundo todo são fundamentais para melhorar a governança.
A chance de mudar isso desponta com a nomeação de Ronaldo Sardenberg, um quadro do Estado brasileiro, que não veio do setor de telecomunicações, mas cumpriu sempre com precisão as missões para as quais foi escalado. Nele repousa a esperança de começar a mudar a politização das agências. Contudo, um Sardenberg só não faz verão.
O governo tem que recrutar as pessoas certas para comandar a Anac, fortalecer os quadros novos que estão entrando na agência por concurso, construir nela uma cultura da independência e da eficiência.
A culpa da crise é do governo e de ninguém mais. É um espanto que tenha se reunido uma única vez o Conac, órgão maior de supervisão do setor, desde a queda do avião da Gol, e ignorado o alerta do ex-ministro José Viegas para o risco de deterioração do sistema.
O governo errará se culpar Congonhas. Faz certo ao aliviá-lo porque o peso jogado sobre ele nos últimos anos foi demais. Tanto pelo número de aeronaves, quanto pelo tamanho delas. A explosão do seu uso é, em parte, também resultado da ação inconseqüente das autoridades.
O fluxo pode e deve ser racionalizado, medida anunciada agora pelo governo. E há muitas outras providências que podem ser tomadas para aliviar os problemas. Os investimentos devem ser feitos e são mais urgentes nos aeroportos de maior fluxo.
Para muita gente, essas medidas chegaram tarde demais. Mas uma mudança de atitude do governo é fundamental.
Mostra que ele saiu do anterior estado de letargia e começou a tomar decisões na linha correta. O gesto indigente de Marco Aurélio Garcia revela convicções erradas. E esse erro deve ser corrigido. Não é uma disputa política, é uma emergência nacional.
Entrevista:O Estado inteligente
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