PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
27/7/2007 |
O Brasil está bem, não tem nada a ver com os maus pagadores de hipotecas no mercado americano, e, de repente, num dia, nosso risco-país sobe 20%. Essa é a maluquice dos tempos atuais. Ontem foi uma tarde deste efeito em que fatos sem qualquer ligação aparente produziam reação em cadeia. Já se esperava uma chacoalhada. Pode durar pouco e parecer apenas uma correção técnica, mas é um novo alerta de que o tempo pode mudar. Nos últimos dias, os mercados vinham piorando. Aqui e ali, uma notícia preocupante que passava despercebida aos olhares menos atentos, até porque a Bolsa continuava subindo. E ela é que é mais visível. No mercado financeiro, alguns analistas repetem sempre os mesmos mantras. Primeiro, que no mundo há liquidez demais, portanto os mercados continuarão subindo por mais um bom tempo; segundo, que o problema das hipotecas subprime é isolado e pequeno. Dois erros. Essa liquidez excessiva tem, na verdade, criado muitas distorções que podem cobrar seu preço em algum momento. As subprime não têm como ser isoladas num mundo em que tudo está conectado. As subprime são hipotecas de maus pagadores. Tomadores inadimplentes, gente que está tendo seu imóvel retomado, que tem uma ficha com problemas no mercado de crédito. Por isso são empréstimos a juros maiores. No dinâmico mercado de hipotecas americano, esses títulos são revendidos no mercado secundário, reempacotados, novamente securitizados e vendidos para os hedge funds pelos fundos mais agressivos, que prometem uma rentabilidade maior. Então o problema estaria restrito a esses fundos? Não, porque os hedge funds são financiados pelos bancos, os fundos mais agressivos estão na lista de produtos dos bancos. O temor desta semana é que um mico, ainda sem tamanho definido e que anda rondando as instituições financeiras americanas, possa estar contaminando a confiança no mercado de crédito em geral. Por que um assunto que parece tão doméstico dos Estados Unidos ameaça tanto o resto do planeta? É que o tempo de euforia recente dependeu, em parte, do boom de consumo americano, que foi possível pela elevação dos preços dos imóveis. O imóvel subia de preço, o comprador vendia o imóvel para realizar o lucro, ou apenas refinanciava para ter a diferença do dinheiro em mãos. Esse dinheiro extra, conseguido com as operações de compra e venda de imóveis ou com o refinanciamento da dívida, é que alimentou a explosão de consumo. O consumidor se sentia mais rico, mas estava apenas mais endividado; o mercado parecia florescente, e os americanos estavam apenas comprando e vendendo imóveis para eles mesmos. O grande medo era de que as vendas caíssem derrubando os preços dos imóveis e provocando o efeito reverso. Os últimos dados mostram queda de vendas de imóveis novos, queda de vendas de imóveis usados, e começo de queda dos preços. E nós, que não temos nada com isso, chegamos a ter um risco-país de 140 e ontem ele estava em 220, mesmo patamar do final de 2006. Recuamos sete meses. A moeda turca caiu quase 4%; a sul-africana, 2,8%; e a mexicana, 1%. As bolsas todas caíram também. Foi o que o mercado chama de "processo forte de correção". - Tem um ponto mais objetivo que é o medo da contaminação no mercado de crédito dos derivativos do mercado imobiliário. O que há agora é a pior pressão no mercado imobiliário dos últimos tempos, comparável à do fim dos anos 80. Os últimos números de venda de residências estão tão ruins quanto os daquela época, quando se detonou uma crise. Se isso ficar só no mercado imobiliário, menos mal - diz Luis Fernando Lopes, do Pátria Investimentos. Mas não parece estar restrito ao mercado imobiliário, porque duas empresas tentaram captar e não tiveram sucesso. - De ontem para hoje, o grande problema foram duas operações malogradas de emissão de dívida. Foram US$12 bilhões da Chrysler e US$10 bilhões da Alliance Boots. Foi um sinal claro de que aumentou a aversão do comprador ao risco. Outro sinal foram os juros do título de 10 anos, que estão caindo. Estão preferindo o título do Tesouro americano a operações mais arriscadas - comenta Lopes. A pergunta que vale bilhões é qual é a natureza e a dimensão deste fenômeno. Ninguém se arrisca a responder diretamente. Há dois cenários. Um é de que o mercado continuaria turbulento por alguns dias, haveria uma correção técnica, que produziria novo apetite por risco, e os ativos voltariam a subir. Outro é de que isso afetaria vários setores da economia americana, derrubando o ritmo de crescimento e produzindo efeitos mais permanentes. Mesmo que seja um fato passageiro, as distorções que a economia mundial tem acumulado são enormes, e isso produzirá novos episódios de turbulência. Como o governo brasileiro vai lidar com um momento de maior crise é um grande mistério. Por enquanto, o governo Lula nunca teve que pilotar uma crise externa. E os últimos anos de bonança não foram bem aproveitados. Mesmo que seja só um susto e o mercado volte logo ao ambiente de alta, fica o alerta: não há crescimento mundial e calmaria que durem para sempre. |
Entrevista:O Estado inteligente
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