O Estado de S. Paulo |
25/7/2007 |
Divergentes quanto às causas e titubeantes quanto às providências, as excelências aeroviárias e aeroportuárias convergem, são firmes e céleres quando se trata de apresentar a conta ao público. Aos primeiros acordes da vigência do pacote de medidas anunciadas para administrar a crise aérea, acorreram todas unânimes em relação a um único ponto: o imperativo de aumentar o preço das passagens de avião para que as companhias, pobrezinhas, possam fazer frente à elevação de custos e à redução do número de passageiros com a reestruturação do “perfil operacional” de Congonhas. Não se ouviu consenso semelhante em nenhum outro momento nem concordância em relação a nenhum outro aspecto da crise. A volúpia das autoridades aeroviárias e aeroportuárias no exercício diário do menosprezo para com o cidadão já é de nosso sobejo conhecimento. Agora, a capacidade de superação diária de cada um já merece gradação. O presidente da Infraero esteve anteontem no ponto alto quando, associando-se à chantagem das empresas aéreas, pontificou com naturalidade e autoridade: “O passageiro tem que pagar um pouco mais pela segurança.” Ou seja, com risco de vida é mais barato. Segurança é componente adicional, artigo de luxo. Quem paga leva, quem não paga fica sem. É a demonstração cabal da importância que os responsáveis pelo setor emprestam à questão da segurança, bem como aos cuidados reservados aos interesses das companhias que, com perdão do termo, se entupiram de dinheiro nos últimos anos de crescimento de demanda e deterioração dos serviços. Se a redução do risco está diretamente ligada à reestruturação da operação em Congonhas, se esta não comporta os atuais preços das passagens, levando-se em conta a estrutura de receitas e despesas, como é que o poder concedente deixou as coisas funcionarem da forma como estavam funcionando? Como a Agência Nacional de Aviação Civil avalizou um “perfil operacional” de alto risco a preços subestimados ao custo da segurança? Ou não estão subestimados, mas o que se põe em jogo é a redução de lucros, de exorbitantes - como mostra o crescimento das empresas - para excelentes? Evidentemente, não se espera que companhias comerciais operem no vermelho nem que deixem de ter o lucro como objetivo. Mas se o jogo do capitalismo implica necessariamente o ganho de quem oferece o serviço, impõe também a recíproca: a prestação do serviço minimamente decente e, no caso da aviação, maximamente seguro. E o que se vê já há longo tempo é a deterioração paulatina desses serviços, acentuada sobremaneira nos dez meses de crise, cujo ápice é atingido agora no tratamento absolutamente aviltante que as empresas vêm dedicando aos passageiros no caos pós-tragédia. Estes os grandes, e até agora únicos, perdedores, aos quais já coube pagar a conta em vidas, em perdas de toda sorte e agora caberá também fazer frente à fatura do conluio da ganância com a desídia, sem ter a quem reclamar. Foco na Anac Enquanto no Senado o relator da CPI da Crise Aérea estuda formas legais de pedir a destituição do presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi, a CPI da Câmara vai pelo mesmo caminho de responsabilizar a Anac. “Como não podemos dizer o que causou o acidente, não podemos tecnicamente apontar responsabilidades, temos de fiscalizar quem detém a atribuição de fiscalizar”, argumenta o deputado Gustavo Fruet. A lógica é a seguinte: como não há cadeia de comando em funcionamento, ninguém responde a ninguém, ninguém manda em ninguém, que o Parlamento ao menos tome a iniciativa de mexer com a peça essencial que deveria zelar pelo funcionamento do sistema. “Estamos falando sobre concessões públicas, cujo poder de regulação e fiscalização é da agência que não fiscaliza, se fiscaliza não pune e, se não pune, não cumpre as suas atribuições, deixando ainda a impressão de que se submete às conveniências das companhias aéreas.” Por isso, a decisão de apresentar hoje na CPI um requerimento para pedir ao Ministério da Defesa a abertura de um processo administrativo contra o presidente e dois diretores da Anac. Além de Zuanazzi, os alvos seriam Denise Abreu e Leur Lomanto, todos devidamente desabilitados para os postos. Zuanazzi é especialista em turismo - ligado ao PT do Rio Grande do Sul e indicação de Dilma Rousseff -, Denise, advogada - ex-auxiliar de José Dirceu na Casa Civil - e Lomanto, político profissional do PMDB da Bahia. O pedido de processo busca detectar se a falta de qualificação específica resultou em omissão ou ações deletérias. Gustavo Fruet aposta mais nesse instrumento que no depoimento de Zuanazzi marcado para hoje. A CPI até agora enfrentou as barreiras de defesa da tropa governista, sempre pronta a impor obstáculos para a obtenção de dados. Hoje, a base aliada precisará mostrar a face. Se rejeitar o pedido de processo, estará avalizando a ação da Anac, na contramão das evidências.
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Entrevista:O Estado inteligente
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