O Globo |
26/7/2007 |
A escolha de Nelson Jobim para o Ministério da Defesa tem implicações políticas claras, e ele assume o posto com uma carga de autoridade conferida não apenas pela carta branca que lhe deu publicamente o presidente Lula, como por seu passado político, que inclui ter sido ministro da Justiça e presidente do Supremo Tribunal Federal. Não precisa entender nada de aviação para dar um jeito na crise, que existe, segundo seu primeiro diagnóstico, devido a uma falta de autoridade na cadeia de comando. Mas precisa ter o bom senso de não politizar cargos em órgãos como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ou a Infraero, usando a força política que possui para impor soluções técnicas ao setor. Como o presidente do PMDB, Michel Temer, mostrou-se surpreso com a escolha, vê-se que o partido foi deixado de lado na definição de Jobim, o que não quer dizer que ela não tenha um especial significado dentro do PMDB. O grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do senador José Sarney volta a se fortalecer, o que pode indicar um racha novamente dentro do maior partido da base aliada. Quando Jobim desistiu de disputar a eleição do PMDB alegando que, ao anunciar Geddel Viera Lima para o Ministério, Lula havia sinalizado seu apoio à reeleição de Michel Temer, parecia que a queda-de-braço havia sido ganha pelos neolulistas peemedebistas. O inferno astral de Sarney, com a demissão de Silas Rondeau do Ministério das Minas e Energia por suspeita de corrupção, e depois o de Renan Calheiros, investigado por quebra de decoro parlamentar, só fizeram fortalecer no governo a ala do PMDB comandada por Temer. A nomeação de Jobim, à revelia do partido como instância política, mas com a bênção de um grupo dentro dele, traz novas cores a essa disputa interna na coalizão governista. Como nas guerras, a verdade foi a primeira vítima na tumultuada substituição de Waldir Pires no Ministério da Defesa. O porta-voz do Planalto, Marcelo Baumbach, anunciou primeiro que Pires pedira demissão, mas, como o velho político baiano se recusava a aceitar a farsa e fazia questão de espalhar por Brasília que fora demitido, o mesmo porta-voz acabou anunciando que fora o presidente que pedira a Pires que entregasse o cargo. À tarde, a paz já voltara ao governo, e foi a vez de o próprio presidente Lula dizer que Waldir Pires aproveitara o desastre de Congonhas para pedir demissão, e a partir daí produziu-se um desastre oratório de grandes proporções. O presidente Lula não foi capaz, assim como já não o fora na aparição da televisão na semana anterior, de traduzir em palavras a seriedade com que o governo deveria estar cuidando da crise aérea. Num momento de luto nacional, em que o mais importante é colocar ordem na casa e dar tranqüilidade à população, o presidente Lula preocupou-se em fazer piadas "para descontrair", e especialmente em agradar ao ministro que saía, frisando inutilmente que não ele saíra por causa da crise aérea. Foi patético ouvir as piadinhas sobre o folclore político brasileiro ditas pelo presidente no afã de incensar a vida política de Waldir Pires, que se deliciava com suas próprias proezas sorrindo candidamente. O presidente também disse que entrega a alma a Deus quando entra num avião, e brincou com o ministro entrante, dizendo que estava muito novo para ficar em casa sem fazer nada, e que sua mulher estava com vontade de que ele voltasse a ter uma atividade qualquer. A mulher do ministro, Adrienne, tornou-se personagem central na escolha. O presidente não deixou de se referir à capacidade, que identifica nos advogados, de enganar os outros, ressalvando que não sabia se era uma boa referência o fato de os dois serem advogados. Lembrou que, durante a Constituinte, Jobim, na Comissão de Sistematização, deixava sempre pendentes de regulamentação as reivindicações classistas que o deputado petista Lula queria incluir no texto constitucional. O improviso do presidente estava tão fora do tom, tão desconectado com o momento grave em que as mudanças estão sendo feitas, que ele mesmo tentou mudar o rumo de seu discurso ao notar que não se coadunava com o que se espera de um chefe de Estado num momento de crise. Como sempre faz, falou do Ministério da Defesa, que estaria "aquém das expectativas" da nação, como se estivesse chegando agora ao governo, e, mesmo de passagem, fez questão de salientar que muitas das causas da crise aérea já estavam presentes quando houve a colisão do jato Legacy com o avião da Gol, há dez meses, no final de seu primeiro mandato. O presidente que não tomou providências para evitar esse caos aéreo previsto por seu ministro da Defesa José Viegas precisou de quatro anos e meio de governo, e dez meses de crise entre dois grandes desastres, para notar que o Ministério da Defesa não funciona como deveria, e que há uma série de instituições que não obedecem a uma orientação única. Mas a definição por Nelson Jobim para o Ministério da Defesa, juntamente com algumas medidas anunciadas recentemente, são bons sinais dentro dessa crise que não acaba nunca. Reorganizando o setor aéreo, e dando tranqüilidade à população, o novo ministro estará se colocando como personagem fundamental no jogo político de longo prazo. Não vai nem precisar entrar no jogo pesado sugerido pelo presidente Lula, ao falar ao mesmo tempo sobre enriquecimento de urânio e fortalecimento das Forças Armadas, pois, segundo ele, "não existe país no mundo que seja respeitado sem ter as Forças Armadas equipadas para defender seus interesses". Para ganhar o respeito de todos, o novo ministro da Defesa precisa só pôr um fim no caos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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